31.12.12

Feliz 2013

Museu D' Orsay - Paris - CRV©
Obrigada a todos os que nos visitam. Agradeço as mensagens particulares de apreço e a lealdade de quem aprecia os temas que nos suscitam curiosidade e que trazemos para este espaço de reflexão que tanto nos agrada. Tentaremos corresponder aos vossos pedidos para 2013, com maior assiduidade.

Um grande abraço e um Feliz Ano Novo.

23.12.12

Como falam, o Silêncio e a Solidão?


Wittgenstein
"Aquilo de que não se pode falar, é preciso calar. O que se mostra é o que seria inútil procurar dizer, é o ser. Para quê procurar dizer ou pensar o ser? O ser mostra-se sozinho, indica-se-nos no ruído, num silêncio ensurdecedor" 
Wittgenstein

O silêncio é um daqueles paradoxos cuja ambiguidade apetece dissecar de modo a analisar minuciosamente as lamelas que, após cuidada observação, revelam sinais indizíveis de uma linguagem feita de sinais. Apesar de, aparentemente, o silêncio nada dizer, o facto é que se anuncia. Faz-se esperar. Comunica a sua indisponibilidade através de um conjunto de anagramas, que abrangem o todo e o nada, onde a utilização de uma linguagem simbólica convola a mera ausência numa presença insinuada. E, não terá esta metáfora da não comunicação uma presença viva, um sentido claro, uma leitura deliberada? O tema sugere-me aquelas dissertações filosóficas que não levam a nada, caiem num vazio, mas que, por outro lado, prendem pelo mistério que se esconde por detrás de uma espécie de culto que explora outras formas de comunicação. Como Walter Benjamin refere, "toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem, sendo a comunicação através da palavra apenas um caso particular". Sob o ponto de vista social, o silêncio pode ser encarado como a consumação de uma rejeição, como uma indisponibilidade afectiva, como um desinteresse na partilha, como um refúgio na própria solidão. Mas a solidão que lhe está inerente, pode ser ambivalente uma vez que tanto pode constituir espectro de um estigma como pode resultar de uma opção deliberada com vista à própria elevação. Essa, é decididamente a faceta que mais me interessa, na medida em que constituirá, à imagem de Zaratustra, de Jonas e de tantos outros, uma busca do caminho da própria redenção.
Platão
Tolentino Mendonça questiona se "a solidão não será também uma porta onde se revela, no maior isolamento, uma visão inesperada?".
Não será essa a sonoridade acústica, apenas perceptível aos ecos indizíveis da alma? E com a reflexão surge o espaço que se ganha que tanto poderá potenciar a queda, como criar raízes e evidenciar um caminho onde o passo deixará marca e a marca será revelação. Este silêncio, e esta solidão, terão então uma faculdade pedagógica, predominantemente positiva, à imagem de alguns desafios bíblicos onde a percepção do místico se obtém através do tranquilo escutar do murmúrio das brisas do mar e não através do ribombar do trovão.
Comodamente, podemos sempre encarar a alma como Platão. Fraccionada, em conformidade com a diversidade das operações da vida que a integram. A cada uma dessas faculdades corresponderá um comportamento e a conquista de um ritmo humano que perante as necessidades tende a construir, por opção, um caminho de verdade, sereno, de reconhecimento, silêncio e justa reflexão.

16.12.12

A Imaginação como Instrumento de Libertação

Pascal
Pascal desenvolveu a teoria da contenção da imaginação defendendo  um travão à sua força criativa. Domina-la, criando barreiras intransponíveis, dotadas de responsabilidade e razoabilidade seria o modo de vedar a luxúria que exacerbava os neurónios até à exaustão. Lembrei-me de Pessoa, e do quanto teríamos perdido com o refreio da sua imaginação multi-facetada, à qual se referiu na sua "prosa íntima", como uma ave voadora que era parte indissociável de um projecto futuro, inspirado em "sonhos, delírios e voos encantadores da imaginação que lhe acariciavam o cérebro". Pessoa confessa-nos que a sua vida se reconduzia a uma enorme passividade. Centrado nos sonhos, que lhe impregnavam a mente, a imaginação tolhia-o fisicamente, condicionando os seus actos e atropelando-lhe a concretização do seu raciocínio, interpondo-se outros pensamentos, que se subdividiam em mais mil, e que o afastavam da produção das suas conclusões. Assumindo-se com um intelecto flexível, refere-se à heteronomia, como algo que lhe impregnava o espírito com diversas emoções, conduzindo as suas personagens com o à vontade de "quem abre a porta a um visitante" e, por osmose, se acomoda à sua pele.
Pessoa
A metafísica, e as divagações da mente, são para Pessoa "uma caixa para conter o Infinito" talvez por isso "tenha agido sempre para dentro, nunca tocando na vida, esboroando-se os sonhos sempre que se propunha transformá-los em gestos". Como qualquer sonhador, Pessoa, heroicamente comandou exércitos, venceu grandes batalhas, gozou grandes derrotas, amou e pecou, tudo dentro do seu universo, parando, quantas vezes, na margem da vida com o assombro sobre um mundo do avesso. Entre Pessoa e o Mundo havia sempre uma "névoa que o impedia de ver as coisas como as outras pessoas as viam". Dizia-se "um espectador criador de anarquias", decompondo a realidade com uma "volúpia acre" deturpando-a em "inúmeros espelhos fantásticos" que accionavam a sua criatividade infinita. Pessoa, aproxima-se da felicidade preconizada por Descartes ao explorar o poder da imaginação, convolando as angústias, as dores e as tristezas em instrumentos que transportam o drama vivido para um palco. Perdendo os dramas na sua essência, relevância e substância, o sujeito passa a   espectador de um teatro, sujeito a poses multifacetadas, centradas num conceito de estética que decorre em vários actos, ensaiados sobre um palco animado.

3.12.12

Sobrevir

"Acorrentarás a minha perna, mas não a minha vontade" ; " Sê como a pedra e serás invulnerável" 
- Epicteto

Albert Camus
Quando Camus considerou que a vida "era uma estrada que se segue com facilidade a maior parte do tempo" não excepcionou as antípodas dantescas onde se pronunciam o céu, por remissão à felicidade que lhe está alienada ou o inferno, ligado à tragédia absoluta associada.

Os extremos, são essas apoteoses que desconcertam a estrada fácil que se trilha por maioria. Todos aspiramos, como o hominis volunt, a viver uma vida tranquila, imperturbada por obstáculos e tempestades que pesam na caminhada como uma cruz agriolhada à esperança. Para nos afastarmos dessa persona indesejada, que geralmente se instala no hemisfério das nostalgias e incertezas, recorremos, tal como Epicteto, à vontade, accionando o antídoto de desvalorização da realidade incómoda que nos afasta do bem-estar, da paz e da tranquilidade desejada. 

Schindler's List
Mas, para lá das constrições gerais, há existências que transportam em si uma fatalidade que balança entre aqueles axiomas pavesianos que anunciam que pior do que nascer é ter a capacidade de sobreviver. E, quando isso acontece, para acabar de vez com qualquer hipótese de esperança, ao sobrevir impõem-se, categoricamente, que sucumba jovem. Como refere George Steiner, este é o modelo do "absolutamente trágico" que nos conduz àqueles homens e mulheres que durante a História surgiram como intrusos indesejáveis da criação. Por isso mesmo, a sua condição predestinada empurrou-os, naturalmente, para o abismo dos sofrimentos e reveses arbitrários, onde todos os passos involuntários são agonias e rejeições inevitáveis devendo, consequentemente, ser liminarmente excluídos como um empecilho no processo omnisciente da selecção natural. 
No Holocausto, judeus, ciganos, deficientes e outros tantos rostos invisíveis proscritos, desafiaram os canônes sociais. Nascer, teria predestinado o encontro inevitável com a tortura e a morte, residindo a aniquilação dos indesejáveis numa purga social que refinava os padrões dos sectores eleitos. 

Confesso que sempre me causou alguma perplexidade o conformismo e a passividade das franjas sociais resignadas com a negação da sua existência, com a marginalização kafkiana em massa, com a aceitação tranquila do abismo, como se o seu destino estivesse intimamente ligado ao niilismo suicida da negação da existência e ao inevitável encontro com o silêncio e a morte. Se pensarmos nos 6 milhões de judeus mortos na Segunda Guerra Mundial é inevitável interrogarmo-nos porque não ocorreram revoltas significativas, tomadas de poder pelas armas, fugas temerárias, assaltos arrojados aos bastiões dos culpados. Todo o percurso foi marcado por uma lassidão de actos inertes, uma postura apática, maquinal, em direcção a um zenite inevitavelmente trágico. 
Sobrevir à morte, ao "puro nada" é uma astúcia da vida para aqueles seres em que o destino continua a ter uma importância infinita. Decidir do nosso trilho, passa a constituir um imperativo categórico na contingência mais radical do ser, coincidente com o momento em que a consciência descobre que, para ela, a felicidade é uma plenitude que ainda deve compreender a expectativa e a promessa do devir.