"Acorrentarás a minha perna, mas não a minha vontade" ; " Sê como a pedra e serás invulnerável"
- Epicteto
Albert Camus |
Quando Camus considerou que a vida "era uma estrada que se segue com facilidade a maior parte do tempo" não excepcionou as antípodas dantescas onde se pronunciam o céu, por remissão à felicidade que lhe está alienada ou o inferno, ligado à tragédia absoluta associada.
Os extremos, são essas apoteoses que desconcertam a estrada fácil que se trilha por maioria. Todos aspiramos, como o hominis volunt, a viver uma vida tranquila, imperturbada por obstáculos e tempestades que pesam na caminhada como uma cruz agriolhada à esperança. Para nos afastarmos dessa persona indesejada, que geralmente se instala no hemisfério das nostalgias e incertezas, recorremos, tal como Epicteto, à vontade, accionando o antídoto de desvalorização da realidade incómoda que nos afasta do bem-estar, da paz e da tranquilidade desejada.
Schindler's List |
Mas, para lá das constrições gerais, há existências que transportam em si uma fatalidade que balança entre aqueles axiomas pavesianos que anunciam que pior do que nascer é ter a capacidade de sobreviver. E, quando isso acontece, para acabar de vez com qualquer hipótese de esperança, ao sobrevir impõem-se, categoricamente, que sucumba jovem. Como refere George Steiner, este é o modelo do "absolutamente trágico" que nos conduz àqueles homens e mulheres que durante a História surgiram como intrusos indesejáveis da criação. Por isso mesmo, a sua condição predestinada empurrou-os, naturalmente, para o abismo dos sofrimentos e reveses arbitrários, onde todos os passos involuntários são agonias e rejeições inevitáveis devendo, consequentemente, ser liminarmente excluídos como um empecilho no processo omnisciente da selecção natural.
No Holocausto, judeus, ciganos, deficientes e outros tantos rostos invisíveis proscritos, desafiaram os canônes sociais. Nascer, teria predestinado o encontro inevitável com a tortura e a morte, residindo a aniquilação dos indesejáveis numa purga social que refinava os padrões dos sectores eleitos.
Confesso que sempre me causou alguma perplexidade o conformismo e a passividade das franjas sociais resignadas com a negação da sua existência, com a marginalização kafkiana em massa, com a aceitação tranquila do abismo, como se o seu destino estivesse intimamente ligado ao niilismo suicida da negação da existência e ao inevitável encontro com o silêncio e a morte. Se pensarmos nos 6 milhões de judeus mortos na Segunda Guerra Mundial é inevitável interrogarmo-nos porque não ocorreram revoltas significativas, tomadas de poder pelas armas, fugas temerárias, assaltos arrojados aos bastiões dos culpados. Todo o percurso foi marcado por uma lassidão de actos inertes, uma postura apática, maquinal, em direcção a um zenite inevitavelmente trágico.
Sobrevir à morte, ao "puro nada" é uma astúcia da vida para aqueles seres em que o destino continua a ter uma importância infinita. Decidir do nosso trilho, passa a constituir um imperativo categórico na contingência mais radical do ser, coincidente com o momento em que a consciência descobre que, para ela, a felicidade é uma plenitude que ainda deve compreender a expectativa e a promessa do devir.
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