15.7.11

Maio - Fim de semana de eleições em Madrid

Domingo. Dia de sol intenso em Madrid. Na cidade, o rescaldo das eleições anunciava a vitória do PP. Os jornais, numa tiragem excepcional, teciam expectativas criadas com a mudança. Falava-se num sentimento de frustração nacional cuja intersecção se centrava no eixo do micro-cosmos espontaneamente criado nas Puertas del Sol. Num fim de semana de eleições por Madrid, pude testemunhar a mobilização que o movimento 15-M gerou na sociedade espanhola. A praça das Puertas del Sol, encheram-se de “indignados”, apesar da proibição da manifestação por parte da Junta Eleitoral Central e da recusa do Supremo Tribunal de Justiça em suspender o veto aos manifestantes, com o argumento da necessária paz e reflexão, em momento pré-eleitoral. Com cerca de 4 milhões e meio de desempregados, a Espanha apresenta a maior taxa de desemprego da OCDE e da União Europeia, tendo soado o gongo ao atingir os 20,33%, no início deste ano. Nestas eleições, concentraram-se expectativas legítimas de mudança. Reivindou-se o fim da corrupção política, novos rumos para a sociedade espanhola, uma maior intervenção cívica da população, e o fim do divórcio partidário nas camadas mais jovens. Cheguei a meio da tarde. Pelo chão, um número infinito de cabos, fios, material de som e filmagem. Frente às câmaras, os jornalistas posicionavam-se para os directos da tarde. Ensaiavam-se planos, os contra-luz perfeitos, geriam-se reflectores para iluminarem rostos. Fotógrafos, armados da sua parnafenália, corriam ao menor zumbido na praça. Ultrapassadas as horas efusivas do 15 de Maio, o cenário a que assisti contrariou as expectativas de atropelos de massas ou confrontos com a polícia. A praça, imaculadamente tranquila, sob um sol abrasador, encontrava-se dividida em zonas de intervenção específicas.
Do meu lado direito os manifestantes aquartelados organizavam-se em workshops. Procediam à concepção de placards, com slogans alusivos aos temas da mudança. Em frente, lonas azuis, suspensas por cima das nossas cabeças, produziam um efeito de estufa, dando um ar de bazar marroquino ao local. Era aí que se desenrolava um intenso comércio gastronómico de conveniência, aproveitado pelos manifestantes e turistas de passagem. Bebidas sim, mas não as alcoólicas de modo a evitar a convolação da manifestação num Woodstock espanhol. A atestá-lo, vários catrapázios expostos anunciavam que “AQUI SI PIENSA” o que me deu um inegável conforto revolucionário quando observei uma série de cabeças em colectivo, deitadas no chão, a dormir “la siesta”. As ruas adjacentes funcionavam como dormitório. Filas intermináveis de tendas atropelavam as entradas do Corte Inglês e do comércio local. Foi aqui que Almodôvar também pernoitou. Olhando em volta, não pude deixar de felicitar o movimento pacifista e aqueles que se entregam devotamente a causas que preconizam ventos de mudança. Contudo, não deixo de observar, com algum cepticismo que a capacidade mobilizadora destas iniciativas, junto das instâncias políticas, é limitada por uma fronteira histórica quase intransponível. Numa rápida evocação de imagens, que atravessam o pós franquismo até aos anos noventa-europeístas, com Gonzaléz e os fundos comunitários, é inegável que uma classe de novos ricos prosperou à custa de um bluff económico sustentado nas andas dos créditos, das hipotecas, dos fundos perdidos e numa malha económica que pendia frequentemente sobre o precipício das falências. Aquilo que vi nas Puertas del Sol não foram mais do que esses rostos, de puro desencanto social, arrastados para o fundo, pelo El Dorado de alguns, surgindo agora à tona com gritos de indignação e de revolta nacional.  Contudo, não acredito que se perspective qualquer solução a curto prazo. O futuro passará, talvez, por uma reestruturação da zona euro, pela adopção de filosofias constrututivas relativamente às ajudas económicas ao invés de dotar os países necessitados de uma massa económica, cuja gestão cria uma ilusão de riqueza, gerando apetência para construções megalómanas e projectos utópicos, que seriam liminarmente abandonados num quadro de contenção exclusivamente nacional. Até lá, o caminho a percorrer será longo, arrastando uma massa humana que já compreendeu que o buraco que se escavou nas últimas duas décadas, terá de contar com a colaboração de todos os indignados ou então, não haverá movimento de PENSADORES que nos salve.

Fotogr:CRV©

1 comentário:

Olga disse...

Wow, TI. I was so focused on my life this summer, I realize that I was completely unaware of your travel plans - and I can see that you never really stopped traveling. (I hope your next one is to London too :)). I'm sure it was interesting to be an observer of these events - you gave a very interesting perspective. I have always been amazed at how involved the young Spaniards are into politics and how vocal they are about it too :)How are things in Portugal these days? Is there light at the end of the tunnel?