Reza a história que no ano de 1661, John Mompesson, um abastado proprietário inglês, que merecia a deferência e o respeito da comunidade de Tedworth, entrou certo dia em conflito com William Drury, um indigente que deambulava pelas ruas da cidade a tocar tambor sobrevivendo da esmola alheia e da solidariedade do povo. Mompesson sentia-se incomodado com o barulho. O batuque permanente à sua porta trazia-lhe moléstia e irritação. Lord Mompesson tomou assim William de ponta, acumulando ódios mesquinhos e olhares de reprovação. Decidido a acabar de uma vez por todas com o batucar à sua porta, resolve instaurar um processo judicial no tribunal da cidade, com juízes, quorum, testemunhas e tudo aquilo a que um Lord influente tem direito, nas situações delicadas em que a persuasão das massas se sobrepõe às faculdades cognitivas da razão. Após largas dissertações que incidiram sobre os malefícios provenientes dos ruídos dos tambores, o colectivo de juízes deu razão a Mompesson e, vitorioso na sua causa de pedir, a sentença foi implacável . “Retire-se o tambor a William Drury e faça-se Lord Mompesson seu fiel depositário”.
De William nunca mais se voltou a ouvir qualquer batuque, nem nas ruas, nem no quilombo distante, mas os problemas de Lord Mompesson, ao invés de acabarem, estavam agora prestes a começar.
Na sua mansão de colunas jónicas, com dois pisos e balaústradas nas varandas, o tão desejado sossego iria transformar-se num desassossego infernal. E isto porque Lord Mompesson, desde que veio para casa com o tambor, passou a ser interrompido no seu sono com ruídos que de início não conseguiu identificar de onde vinham mas que, pouco a pouco, percebeu tratar-se do som de um tambor que ressoava pela casa toda. E, procurando como um louco de onde poderia vir esse ruído, ritmado e infinitamente incomodativo, Mompesson correu a ver se o tambor de William Drury se encontrava no local em que o havia guardado. Para seu espanto, lá continuava, impávido e sereno, concluindo que o instrumento impertinente membranófono, que perturbava a sua estabilidade física e emocional, não era definitivamente o tambor de William pelo que se impunha descobrir do que se tratava.
Repetindo-se todas as noites o mesmo enigma, Lord Mompesson acreditou que a sua casa estaria assombrada e que seria vitima de alguma praga de bruxaria lançada certamente por William e alguns dos ciganos que o acompanhavam.
The devil and the drum Saducismus Triumphatus (1700). |
Chamou por isso os sábios da época para constatarem pessoalmente o mistério.
Joseph Glanvill foi um famoso clérigo inglês que se destacou nas áreas da ciência e da filosofia. Defensor da existência de fenómenos sobrenaturais, sustentou no seu livro “Sadducismus Triumphatus” a tese da existência de bruxas e feiticeiros, com poderes sobrenaturais malignos, entendendo que na sua génese estaria uma seita, que remontava ao tempo de Cristo, e que negava a imortalidade da alma.
Glanvill foi um dos sábios que procurou uma justificação para a origem dos ruídos na casa de Mompesson, tendo tomado nota que “ao visitar o quarto das crianças observei um arranhar debaixo da cama inexplicável”.
Joseph Glanvill |
O caso ficou conhecido como “O Tambor de Tedworth” e vivia-se à época uma verdadeira caça às bruxas por virtude do espírito persecutório da Inquisição que pela Europa fora realizava, indiscriminadamente, autos-de-fé, perseguições e torturas generalizadas a todos aqueles que manifestassem cepticismo ou práticas contrárias à fé cristã.
Nunca foi dada uma explicação inequívoca, subsistindo, para os crentes nos fenómenos sobrenaturais, a intromissão de um espírito maligno e, para os cépticos, a conjura de William e dos seus amigos que, noite após noite, vinham até à casa de Mompesson para o castigar, atormentando os seus dias e a sua paz.
Um desses cépticos foi Charles Mackay que, 100 anos mais tarde, viria a escrever o livro “Extraordinary Delusions and the Madness of Crowds” sobre as falsas impressões e o efeito que um fenómeno fraudulento poderá ter sobre as massas. Referindo-se ao fenómeno de Tedworh conclui que teria sido manifestamente fraudulento e que Mompesson convencido de fenómenos sobrenaturais teria sido facilmente enganado.
Lembrei-me desta história, porque os fantasmas das crendices no sobrenatural continuam a aterrorizar e a vitimizar cidadãos frágeis e desprotegidos que por inércia dos seus governantes são agredidos, mutilados e assassinados pela cor da sua pele, pelo credo que professam ou pelo género ao qual sentem que pertencem. Na Tanzânia, várias crianças albinas são anualmente selvaticamente mutiladas porque se crê que os seus membros têm poderes sobrenaturais quando utilizados em rituais de bruxaria. No século 21 não seria tempo de actuar na defesa e protecção dos mais frágeis?
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