O cinzento das paredes e o crucifixo por cima do quadro davam à sala de aula um ar tão monótono quanto austero. Com três grandes janelas em formato de ogiva envidraçada, a luz irrompia pelas vidraças refractando-se lentamente em raios tingidos com as cores do arco-íris. Beatriz fugia para longe da voz monocórdica da professora e perdia-se na dança das partículas suspensas no ar. Interessava-lhe mais a razão porque que se mantinham a flutuar, ou qual a fresta por onde entraria o vento que as fazia remoinhar, do que o monólogo enfadonho sobre o sistema morfológico dos peixes, o pedúnculo das plantas ou o sistema gastro-intestinal dos pássaros. Com uma silhueta esguia, cabelos louros compridos e cara espevitada, os seus olhos azuis eram dois globos curiosos que procuravam ávidos os reflexos onde se desenhavam os contornos das grandes questões do mundo.
A campainha ressoou pelos corredores da escola. Em uníssono, o arrastar das cadeiras dava por terminada a aula. A hora do almoço passava depressa por isso Beatriz tinha que correr para conseguir apanhar o fotógrafo da escola ainda aberto pois ansiava ver as provas das sessões do curso que iriam ficar para a posteridade.
Com a pressa dos adolescentes correu escada a baixo, saltando os degraus dois a dois, e disparou em direcção ao portão procurando evitar o congestionamento da saída quando todos se acotovelavam para se lançarem para fora dos muros, onde a cidade se agitava a cada passo desengonçado da vida. Logo à saída, o fumo e o cheiro a diesel dos carros entranhava-se nas narinas sufocando os primeiros minutos de liberdade. Era preciso inspirar profundamente e sair a correr por entre os carros arriscando a censura das buzinas imprevistas e os transeuntes que se atropelavam a reclamar prioridade na passagem.
Sair da escola sozinha era sempre uma experiência de iniciação. Lá fora, onde a protecção dos muros desfazia a castidade das conversas amenas, havia sempre o receio, no desenrolar das faixas da personalidade, em deparar-se com bloqueios, mal-entendidos ou com aqueles que mastigam vagarosamente a crueldade como um naco amargo de carne enrolado numa boca sem dentes.
Beatriz correu depressa para o fotógrafo. A loja ficava numa daquelas ruas em que os carros se sucediam com uma inquieta indiferença, apenas respeitando as pausas impostas pelos semáforos, para depois seguirem, mecanicamente, como se a rua fosse um amontoado opaco onde nada constituía uma mais-valia para se deterem.
A loja tinha o ar antiquado dos fotógrafos resistentes de bairro. A porta, em ferro antiga, dava-lhe um ar pesado e decadente. Nas montras laterais, acumulavam-se fotografias de casamentos e baptizados amarelecidas pelo tempo. Desconhecidos, que deixaram, no instante do sorriso, as tristezas e as amarguras atrás da câmara, fora dos registos da posteridade dormente da vida.
A porta encontrava-se entreaberta. Com a timidez dos adolescentes, Beatriz atreveu-se a espreitar para ver se havia movimento. Nada. A loja estava vazia. Na parede, por cima do balcão de madeira, um relógio, marcado pelo tempo, indicava que faltavam cinco minutos para a uma. Por pouco tinha encontrado a loja fechada. Decidiu entrar, dando os bons-dias em voz alta para ver se alguém aparecia. Do fundo da loja, por detrás de uma cortina de veludo encarnada, reconheceu o fotógrafo da escola.
- Bom dia! Estava a fechar para o almoço - disse o homem
- Bom dia. Vinha ver as provas das fotografias da escola. Ainda é possível? É rápido, não demoro mais que 5 minutos.
- Muito bem, mas primeiro deixa-me fechar a loja para não entrarem mais clientes.
Contornou o balcão e fechou a porta no trinco. Depois, convidou Beatriz a segui-lo.
- Por aqui! - disse ele - Estive agora mesmo no laboratório a trabalhar nas vossas fotografias. Se quiseres podes seguir-me para escolheres as provas.
Beatriz seguiu-o com curiosidade. Desceram uma escada íngreme que levava ao que parecia ser a cave da loja. Beatriz desceu com dificuldade em graduar a visão à transição da claridade do dia para a escuridão repentina. Para evitar passos em falso tacteou com o pé a ponta dos degraus evitando assim cair.
Ao fundo da escada, sem que conseguisse perceber o que a rodeava, um neon indicava à sua esquerda: “câmara escura”.
- Entra e vem ver as fotografias - disse o fotógrafo.
Por detrás de uma cortina preta um compartimento quase às escuras era iluminado sumariamente por uma luz ultravioleta que pendia do tecto. Por cima da sua cabeça percebia-se o recorte de inúmeras fotografias suspensas, presas por molas, a fios que ligavam ambos os lados das paredes, como se se tratasse de roupa a secar numa corda. O ar, estava impregnado com um cheiro acre, proveniente dos produtos químicos que se encontravam nas tinas de revelação, tornando a respiração pesada e arrastada em esforço.
- Gostas de fotografia? - perguntou o fotógrafo
- Sim, gosto. Posso escolher as da escola?
Na cave, todos os ruídos do mundo pareciam ter desaparecido e eram agora pouco mais que sussurros encobertos vindos do andar de cima. Já não se distinguia o motor dos carros, o caminhar das pessoas e todo o mundo físico parecia agora uma epifania desolada, lá longe, fora do alcance da cave. Beatriz mantinha-se imóvel enquanto aguardava que o fotógrafo arrumasse uma bancada com vários objectos desordenados. Conseguia distinguir, no lusco fusco violeta, os contornos das tinas com líquidos transparentes, uma guilhotina, material fotográfico disperso, lentes, uma máquina que parecia um amplificador e papel de fotografia seguro por pinças.
- Com esta luz não se consegue ver quase nada. Pode acender a luz? - perguntou Beatriz -
- Já acendo, mas olha, se gostas de fotografia vem ver como se faz uma. Eu ensino-te - disse o fotógrafo -
Com postura de mestre, o fotógrafo começou a explicar o percurso das fotografias, desde o momento em que chegavam à loja, em rolos de 35mm, até ao seu tratamento na câmera escura e a posterior ampliação dos negativos.
- Queres ver como se amplia uma fotografia? Chega aqui! Coloca as duas mãos neste aparelho, espreita por este sitio até veres o negativo. Já vês? Agora roda para focar até a ampliação ficar nítida. Consegues ver o resultado?
Beatriz estava petrificada. O fotógrafo ía-lhe dando instruções sobre a máquina, mas ao mesmo tempo, encostou-se desconfortavelmente às suas costas. Sem que esperasse pegou-lhe nas duas mãos, abusando de uma proximidade que era manifestamente indesejada e que a deixou sem conseguir articular uma palavra. O coração de Beatriz batia com força e as mãos geladas ganharam o tremor dos estados de ansiedade urgentes. Tentou manter a calma. Sabia que estava numa cave e que não tinha comentado com ninguém que vinha a esta loja. Ninguém estaria à sua espera nas próximas horas. Sabia que se gritasse ninguém a ouviria pelo que tentou fingir que não percebia o que se passava enquanto o fotógrafo lhe segurava as mãos, insinuando-se por detrás com o corpo cada vez mais colado ao seu. Sentia-lhe as pernas e a barriga proeminentemente desconfortável. Sentia-lhe agora uma respiração ofegada contra a debilidade dos seus cabelos. Olhando por cima do ombro direito de Beatriz o fotógrafo debruçava-se agora para a frente, contraindo o corpo contra o de Beatriz deixando-a em pânico imobilizada.
Beatriz permanecia estática, parada. Queria ser sombra, ser espectro, ser nuvem que se dissipasse e desaparecesse mas manteve-se como se estivesse ausente. Continuava sem se conseguir mexer. - Pensa, pensa o que fazer! Depois, o medo começou a tomar conta do corpo. Pensou que podia acontecer algumas daquelas coisas das que já ouvira falar a outra gente. Pensou em como se poderia defender. Estudou todas as hipóteses numa fracção de segundo que lhe pareceram séculos. Lutar. Seria capaz de lutar. Mas não conseguia reagir. Não conseguia mexer-se sequer. Sentia-se paralisada. Só pensava em sair dali. Depressa. Sem no entanto demonstrar exaltação ou ansiedade.
- Gostei muito. Que horas são? - perguntou Beatriz voltando-se, tentando criar espaço entre ela e o fotógrafo.
O homem recompôs-se e incomodado com a questão olhou para o relógio.
- São uma e meia - disse o homem
- Tão tarde! Muito obrigada pela demonstração mas tenho que me ir embora. A esta hora já devem estar as minhas três amigas lá fora à minha espera. Disse-lhes para me virem buscar aqui para irmos almoçar juntas. Já devem estar na porta. Se não se importa as fotografias da escola ficam para outro dia.
Nisto o fotógrafo desligou a lâmpada ultra-violeta e acendeu a luz iluminando convenientemente a câmara escura. Adaptando os olhos à mudança Beatriz foi-se aproximando da cortina escura preparada para correr escada acima.
- Vou lá a cima ver se as minhas amigas já estão à minha espera na porta.
E sem olhar para trás, correu escada acima, abriu a porta da loja e desatou a correr sem parar rua fora, até chegar à escola. Nunca mais voltou à loja.
Entre muros, entre a segurança dos colegas e dos professores, Beatriz quis esquecer o episódio e manteve-o por muitos anos perdido no tempo.
O movimento #METOO, que tomou conta do meio cinematográfico norte-americano, tendo já lançado nomes para a fogueira de outras áreas da indústria, veio expor a condenação de múltiplos casos de assédio levados a cabo por personalidades que se encontram em cargos de destaque profissional e que consideram ter um ascendente sobre as vítimas. O predador, normalmente, caracterizado como um narcisista-egocêntrico, nunca pensa nos danos, por vezes irreversíveis, que promove nas suas vítimas. O predador obsessivo-compulsivo, não resiste à necessidade de cercar e de se impor na vida das suas vitimas. Alimenta-se do bem estar dos outros. Inveja a harmonia e a felicidade familiar. Deseja aquilo que não tem. Distorce a realidade e culpabiliza a vitima por tudo aquilo que de negativo lhe acontece. O não da vitima é sempre um nim que só foi veiculado para se fazer difícil porque estará sempre interessada.
O predador sexual, sob as várias modalidades, seja o masturbador em privado que fotografa a vítima para a endeusar e faz dessa imagem propriedade sua, seja o violador que assedia directamente a vitima, constituem condutas egocêntricas com patologia obsessiva-compulsiva, onde as vitimas são frequentemente o alvo de uma enorme raiva adjacente resultado de um conjunto de impotências sexuais e vivenciais, incapacidades sociais e frustrações psico-afectivas. É tempo de mudar, de denunciar, de respeitar a esfera privada dos OUTROS.
A campainha ressoou pelos corredores da escola. Em uníssono, o arrastar das cadeiras dava por terminada a aula. A hora do almoço passava depressa por isso Beatriz tinha que correr para conseguir apanhar o fotógrafo da escola ainda aberto pois ansiava ver as provas das sessões do curso que iriam ficar para a posteridade.
Com a pressa dos adolescentes correu escada a baixo, saltando os degraus dois a dois, e disparou em direcção ao portão procurando evitar o congestionamento da saída quando todos se acotovelavam para se lançarem para fora dos muros, onde a cidade se agitava a cada passo desengonçado da vida. Logo à saída, o fumo e o cheiro a diesel dos carros entranhava-se nas narinas sufocando os primeiros minutos de liberdade. Era preciso inspirar profundamente e sair a correr por entre os carros arriscando a censura das buzinas imprevistas e os transeuntes que se atropelavam a reclamar prioridade na passagem.
Sair da escola sozinha era sempre uma experiência de iniciação. Lá fora, onde a protecção dos muros desfazia a castidade das conversas amenas, havia sempre o receio, no desenrolar das faixas da personalidade, em deparar-se com bloqueios, mal-entendidos ou com aqueles que mastigam vagarosamente a crueldade como um naco amargo de carne enrolado numa boca sem dentes.
Beatriz correu depressa para o fotógrafo. A loja ficava numa daquelas ruas em que os carros se sucediam com uma inquieta indiferença, apenas respeitando as pausas impostas pelos semáforos, para depois seguirem, mecanicamente, como se a rua fosse um amontoado opaco onde nada constituía uma mais-valia para se deterem.
A loja tinha o ar antiquado dos fotógrafos resistentes de bairro. A porta, em ferro antiga, dava-lhe um ar pesado e decadente. Nas montras laterais, acumulavam-se fotografias de casamentos e baptizados amarelecidas pelo tempo. Desconhecidos, que deixaram, no instante do sorriso, as tristezas e as amarguras atrás da câmara, fora dos registos da posteridade dormente da vida.
A porta encontrava-se entreaberta. Com a timidez dos adolescentes, Beatriz atreveu-se a espreitar para ver se havia movimento. Nada. A loja estava vazia. Na parede, por cima do balcão de madeira, um relógio, marcado pelo tempo, indicava que faltavam cinco minutos para a uma. Por pouco tinha encontrado a loja fechada. Decidiu entrar, dando os bons-dias em voz alta para ver se alguém aparecia. Do fundo da loja, por detrás de uma cortina de veludo encarnada, reconheceu o fotógrafo da escola.
- Bom dia! Estava a fechar para o almoço - disse o homem
- Bom dia. Vinha ver as provas das fotografias da escola. Ainda é possível? É rápido, não demoro mais que 5 minutos.
- Muito bem, mas primeiro deixa-me fechar a loja para não entrarem mais clientes.
Contornou o balcão e fechou a porta no trinco. Depois, convidou Beatriz a segui-lo.
- Por aqui! - disse ele - Estive agora mesmo no laboratório a trabalhar nas vossas fotografias. Se quiseres podes seguir-me para escolheres as provas.
Beatriz seguiu-o com curiosidade. Desceram uma escada íngreme que levava ao que parecia ser a cave da loja. Beatriz desceu com dificuldade em graduar a visão à transição da claridade do dia para a escuridão repentina. Para evitar passos em falso tacteou com o pé a ponta dos degraus evitando assim cair.
Ao fundo da escada, sem que conseguisse perceber o que a rodeava, um neon indicava à sua esquerda: “câmara escura”.
- Entra e vem ver as fotografias - disse o fotógrafo.
Por detrás de uma cortina preta um compartimento quase às escuras era iluminado sumariamente por uma luz ultravioleta que pendia do tecto. Por cima da sua cabeça percebia-se o recorte de inúmeras fotografias suspensas, presas por molas, a fios que ligavam ambos os lados das paredes, como se se tratasse de roupa a secar numa corda. O ar, estava impregnado com um cheiro acre, proveniente dos produtos químicos que se encontravam nas tinas de revelação, tornando a respiração pesada e arrastada em esforço.
- Gostas de fotografia? - perguntou o fotógrafo
- Sim, gosto. Posso escolher as da escola?
Na cave, todos os ruídos do mundo pareciam ter desaparecido e eram agora pouco mais que sussurros encobertos vindos do andar de cima. Já não se distinguia o motor dos carros, o caminhar das pessoas e todo o mundo físico parecia agora uma epifania desolada, lá longe, fora do alcance da cave. Beatriz mantinha-se imóvel enquanto aguardava que o fotógrafo arrumasse uma bancada com vários objectos desordenados. Conseguia distinguir, no lusco fusco violeta, os contornos das tinas com líquidos transparentes, uma guilhotina, material fotográfico disperso, lentes, uma máquina que parecia um amplificador e papel de fotografia seguro por pinças.
- Com esta luz não se consegue ver quase nada. Pode acender a luz? - perguntou Beatriz -
- Já acendo, mas olha, se gostas de fotografia vem ver como se faz uma. Eu ensino-te - disse o fotógrafo -
Com postura de mestre, o fotógrafo começou a explicar o percurso das fotografias, desde o momento em que chegavam à loja, em rolos de 35mm, até ao seu tratamento na câmera escura e a posterior ampliação dos negativos.
- Queres ver como se amplia uma fotografia? Chega aqui! Coloca as duas mãos neste aparelho, espreita por este sitio até veres o negativo. Já vês? Agora roda para focar até a ampliação ficar nítida. Consegues ver o resultado?
Beatriz estava petrificada. O fotógrafo ía-lhe dando instruções sobre a máquina, mas ao mesmo tempo, encostou-se desconfortavelmente às suas costas. Sem que esperasse pegou-lhe nas duas mãos, abusando de uma proximidade que era manifestamente indesejada e que a deixou sem conseguir articular uma palavra. O coração de Beatriz batia com força e as mãos geladas ganharam o tremor dos estados de ansiedade urgentes. Tentou manter a calma. Sabia que estava numa cave e que não tinha comentado com ninguém que vinha a esta loja. Ninguém estaria à sua espera nas próximas horas. Sabia que se gritasse ninguém a ouviria pelo que tentou fingir que não percebia o que se passava enquanto o fotógrafo lhe segurava as mãos, insinuando-se por detrás com o corpo cada vez mais colado ao seu. Sentia-lhe as pernas e a barriga proeminentemente desconfortável. Sentia-lhe agora uma respiração ofegada contra a debilidade dos seus cabelos. Olhando por cima do ombro direito de Beatriz o fotógrafo debruçava-se agora para a frente, contraindo o corpo contra o de Beatriz deixando-a em pânico imobilizada.
Beatriz permanecia estática, parada. Queria ser sombra, ser espectro, ser nuvem que se dissipasse e desaparecesse mas manteve-se como se estivesse ausente. Continuava sem se conseguir mexer. - Pensa, pensa o que fazer! Depois, o medo começou a tomar conta do corpo. Pensou que podia acontecer algumas daquelas coisas das que já ouvira falar a outra gente. Pensou em como se poderia defender. Estudou todas as hipóteses numa fracção de segundo que lhe pareceram séculos. Lutar. Seria capaz de lutar. Mas não conseguia reagir. Não conseguia mexer-se sequer. Sentia-se paralisada. Só pensava em sair dali. Depressa. Sem no entanto demonstrar exaltação ou ansiedade.
- Gostei muito. Que horas são? - perguntou Beatriz voltando-se, tentando criar espaço entre ela e o fotógrafo.
O homem recompôs-se e incomodado com a questão olhou para o relógio.
- São uma e meia - disse o homem
- Tão tarde! Muito obrigada pela demonstração mas tenho que me ir embora. A esta hora já devem estar as minhas três amigas lá fora à minha espera. Disse-lhes para me virem buscar aqui para irmos almoçar juntas. Já devem estar na porta. Se não se importa as fotografias da escola ficam para outro dia.
Nisto o fotógrafo desligou a lâmpada ultra-violeta e acendeu a luz iluminando convenientemente a câmara escura. Adaptando os olhos à mudança Beatriz foi-se aproximando da cortina escura preparada para correr escada acima.
- Vou lá a cima ver se as minhas amigas já estão à minha espera na porta.
E sem olhar para trás, correu escada acima, abriu a porta da loja e desatou a correr sem parar rua fora, até chegar à escola. Nunca mais voltou à loja.
Entre muros, entre a segurança dos colegas e dos professores, Beatriz quis esquecer o episódio e manteve-o por muitos anos perdido no tempo.
O movimento #METOO, que tomou conta do meio cinematográfico norte-americano, tendo já lançado nomes para a fogueira de outras áreas da indústria, veio expor a condenação de múltiplos casos de assédio levados a cabo por personalidades que se encontram em cargos de destaque profissional e que consideram ter um ascendente sobre as vítimas. O predador, normalmente, caracterizado como um narcisista-egocêntrico, nunca pensa nos danos, por vezes irreversíveis, que promove nas suas vítimas. O predador obsessivo-compulsivo, não resiste à necessidade de cercar e de se impor na vida das suas vitimas. Alimenta-se do bem estar dos outros. Inveja a harmonia e a felicidade familiar. Deseja aquilo que não tem. Distorce a realidade e culpabiliza a vitima por tudo aquilo que de negativo lhe acontece. O não da vitima é sempre um nim que só foi veiculado para se fazer difícil porque estará sempre interessada.
O predador sexual, sob as várias modalidades, seja o masturbador em privado que fotografa a vítima para a endeusar e faz dessa imagem propriedade sua, seja o violador que assedia directamente a vitima, constituem condutas egocêntricas com patologia obsessiva-compulsiva, onde as vitimas são frequentemente o alvo de uma enorme raiva adjacente resultado de um conjunto de impotências sexuais e vivenciais, incapacidades sociais e frustrações psico-afectivas. É tempo de mudar, de denunciar, de respeitar a esfera privada dos OUTROS.
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