Wittgenstein |
"Deitada de costas na tijoleira quente da Piazza del Campo, olho o azul altíssimo sem nuvens, conto os pássaros que cruzam o meu bocado de céu, sentindo a brisa reconfortante do mês de Julho. São quatro da tarde. O sol corre lento por detrás do Palazzio Publico e da Torre de Mangia projectando as suas sombras imponentes no chão do largo, aproveitadas por muitos para a pausa tradicional nas caminhadas pelas artérias da cidade que acabam sempre por convergir, para este ponto de encontro". CRV
Podia ser mais um relato de viagens por esse mundo fora, um recortar de um estado de espírito, um momento de tranquilidade, uma pausa na vida a escutar o silêncio. Quantas vezes é o silêncio de alguém interpretado como apatia, pobreza ou insuficiência de ideias, falta de recursos de formas estilísticas ou de escrita. Será falta de capacidade de expressão, obliteração do pensamento ou simples recusa de produção? Será mais um Bartleby, escrivão de Melville, que opta pelo "I would prefer not to"?
O silêncio pode ser um meio estético, exigente, meio para atingir um fim, uma solução, uma clarividência, uma reconciliação entre pensamento e linguagem, um exercício exegético à qual o indivíduo se entrega e que corresponde a uma forma de atmosfera densa interior onde se degladiam os seus palcos de vida.
Numa carta ao editor Ludwig von Ficker, sobre o seu livro "Tratactus", Wittgenstein afirmava: "O sentido do livro é ético. Quis, em tempos, incluir no prefácio uma frase, que de facto não está lá, a qual vou aqui escrever, para que possa ser só por si uma chave de trabalho. Assim, o que eu queria escrever era: o meu trabalho consiste em duas partes - a que está presente e a que não escrevi. E é precisamente esta segunda parte a mais importante. Traço os limites à esfera ética a partir do interior do meu livro e estou convencido ser essa a única forma rigorosa de traçar esses limites. Em suma, acredito, que onde hoje muitos sussurram consegui no meu livro através do silêncio colocar tudo no seu lugar(…)".
O silêncio de Wittgenstein é relativo a uma acção fundamental, porque não é passiva ou indiferente, antes confere, àquele que se cala e àquilo que se silencia, o valor que resulta de uma correcta e prolífica actividade reflexiva. Igualmente não se trata de argumentar que a escrita nos trai ou que nos merece desconfiança pelas interpretações duvidosas que suscita. Trata-se antes de mais, de considerar que o melhor caminho é aquele que cala e que encontra, no quadro das opções que se apresentam, a melhor preposição estética. Será aí que, enfim, encontraremos a melhor forma de enquadrar a vida. A nossa derradeira opção ética.
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