"Não era a morte porque me levantei e os mortos jaziam no chão" -Emily Dickinson
A cadeira no palanque sugeria um dos cenários minimalistas de Beckett quando um adereço transforma o proscénio numa janela aberta, e a actuação faz-se de gestos e falas onde a alma das personagens é um conglomerado de civilizações presentes e passadas, fragmentos de livros, bocado de homens, farrapos da desgraça humana.
Neste caso, o palco era cenário da execução de um homem condenado, por homicídio qualificado, num sistema judicial baseado numa ética religiosa medieval, onde a justiça praticada tem subjacente a regra de ouro, "olho por olho, dente por dente" sempre que são violados princípios fundamentais do Corão universais à dignidade humana. No cenário, a cadeira serve de cadafalso e os familiares da vítima são convidados a participarem naquilo que se transforma num acto de justiça directa, com o dramatismo das execuções públicas, onde a angustia do condenado serve de regozijo e distracção do público que se amontoa para o momento sublime que culminará na colocação do laço da forca, na subida forçada para a cadeira e no pontapé que os familiares da vitima irão dar, de modo a executar a sentença.
A notícia nada teria de extraordinária não fosse o mise en scène ter sofrido no último minuto um vole de face, quando o homicida já se encontrava enlaçado, contorcendo-se sem vergonha ou dignidade, apelando pela vida, depois de ter esventrado e assassinado um jovem, descurando a dor e a destruição que promoveu noutras vidas.
Quando nesta Páscoa, ouvi falar em ressuscitar, nada me pareceu mais apropriado do que recordar o episódio desta mãe que, em nome do perdão e da compaixão, dá ao mundo uma lição da providência divina. Conta que o seu filho lhe apareceu num sonho rogando pela vida do assassino. Disse que se encontrava bem, num local tranquilo, pelo que nada se ganhava em vingar a sua morte, com outra vida. Suspendendo a execução no último minuto, esbofeteia o homicida e liberta-o dos laços do destino.Perdoar não é esquecer, nem vem acompanhado com qualquer expectativa de compensação. Perdoar constitui sempre o alívio de nos livrarmos de um peso excessivo, para o qual em nada contribuímos, nunca constituindo a raiva ou o rancor uma mais valia para a nossa própria reconciliação. Por isso as imagens divulgadas tiveram aquele efeito de câmara clara, introduzindo-nos naquele tilt de Beaudelaire em que as contradições e os sentimentos intensos revelam "a verdade enfática dos grandes momentos da vida".
Ressuscitar conforme as Escrituras, tem subjacente o percurso do Calvário e das estações do martírio. Ressuscitar para este homem, teve certamente subjacente a aprendizagem de uma nova oportunidade, de se reconciliar com a vida. Fotogr. Arash Khamooshi /Isna
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