10.1.12

George Steiner e o tríptico social


George Steiner
Alfred Dreyfus, judeu, oficial de artilharia do exercito francês, foi acusado de vender informações aos alemães, sendo condenado por alta traição, a prisão perpétua , num processo onde as provas foram forjadas, a verdade intencionalmente omitida, o erro judicial xenofobicamente ignorado. Dreyfus, foi levado para a Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, onde permaneceu 5 anos, até o seu irmão ter reunido provas para relançar um segundo julgamento que iria promover a sua absolvição, repondo a verdade dos factos.

É recorrente, entre os autores que vou lendo, o recurso ao caso Dreyfus como um marco apoteótico que pôs a descoberto as fragilidades e as cisões ideológicas que estão subjacentes na sociedade europeia. Li essa abordagem em Hanna Arendt, quando expõe, na óptica do totalitarismo, um nacionalismo católico francês que considerou Dreyfus como um intruso, um traidor virulento, representativo da odiada tradição judaica, escolhido para o sacrifício de todos os ódios acumulados na sociedade francesa. Voltei a ler em Borges, relativamente à discórdia entre Ramon Fernándes e Julien Benda, filósofo francês, que se insurgiu em defesa de Dreyfus, mas que rejeitou o modo como foi amnistiada a pena, considerando a solução um subterfúgio que apenas contornou o modo correcto de aplicação da justiça.

E, agora, com George Steiner, leio um ensaio, interessantíssimo, sobre os tabus étnicos, das sociedades modernas, expondo, novamente, o caso Dreyfus e o nacionalismo alemão como balões de ensaio de um xenofobismo latente. Raça, religião e nacionalidade, constituem o tríptico insolúvel que está na génese do rastilho de pólvora que tem ateado manifestações, num quadro europeu etnicamente desavindo. Steiner, integra os migrantes, em grupos étnicos flutuantes que dificilmente conseguem criar raízes fora do seu estado de origem. São os Luftmenschen, do sistema alemão. Os cidadãos etnicamente agrupados, que geram comunidades no estrangeiro, voltadas sobre si mesmas, mas desintegradas da polis que adoptam e habitam.

Desde a II Guerra Mundial, o mundo tem assistido a um crescendo das burocracias de exclusão. Afastamo-nos, cada vez mais, do utupismo de Moore e de McLuhan. Os tempos são revivalistas de um nacionalismo segmentário e de um tribalismo sem precedentes. Os ódios raciais, adquiriram outra valência de xenofobia intolerante, com massacres tribais e o emparelhamento sectário das minorias étnicas e religiosas de muitos países. Vejam-se as tentativas de extermínio de comunidades inteiras. Os tootsies, os arménios, os curdos, os tibetanos, os magrebinos, os palestinianos. O ressurgimento das controvérsias étnicas, tornou-se uma banalidade tolerada pela comunidade internacional. “Somos todos hóspedes deste planeta, em partes iguais. Fiéis depositários de um espaço para sobreviver”. Procuramos, por isso, circundar-nos de um espaço justo, agradável, onde a paz e a tranquilidade preponderem a maior parte do tempo. Só que a realidade mostra-nos, recorrentemente, o contrário. Como refere Steiner: "a sociedade é feita à imagem do livro de Josué, violenta e cruel , determinando-se, diariamente, quais serão os lenhadores e os carregadores de água”. Cumprirá a todos zelar pelo justo equilíbrio de forças, preterindo as sociedades segmentárias em prol daquelas que promovam uma integração mais justa. A opção, caberá a cada um de nós, na noção perfeita que o homem não é um animal solitário, sendo legítimo o desejo de criar raízes junto daqueles que melhor respeitem as nossas liberdades individuais e o nosso direito à vida.

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