14.10.11

Entre a Utopia de Thomas More e a Realidade do Estado

" A ilha da Utopia tem duzentas milhas na sua maior largura, ficando esta situada na parte média da ilha. Essa largura diminui gradual e simetricamente do centro para as duas extremidades, de maneira que toda a ilha forma como que um semicírculo de quinhentas milhas de perímetro e apresenta a forma de um crescente cujas pontas estão afastadas cerca de onze milhas.
O mar enche toda essa imensa reentrância; as terras adjacentes que se desenvolvem em anfiteatro quebram o furor dos ventos, mantendo o mar sempre calmo e dando àquela massa de água a transparência de um lago tranquilo. A parte côncava da ilha constitui como que um único e vasto porto acessível por todos os lados à navegação. A entrada do porto é perigosa por causa dos bancos de areia, de um lado, e dos rochedos, do outro. A meio eleva-se um escolho visível de muito longe e que por esse motivo não oferece perigo algum. Os utolianos construíram aí um forte defendido por adestrada guarnição. Outros rochedos, ocultos sobre a toalha de água, constituem inevitáveis armadilhas para os navegadores. Só os habitantes conhecem os passos navegáveis e torna-se desta maneira impossível penetrar no canal sem ter a bordo um piloto utopiano. Constituiria, aliás, precaução insuficiente se alguns faróis situados ao longo da costa não indicassem o caminho a seguir. A simples mudança de lugar dos faróis, sugerindo uma direcção falsa, seria o bastante para destruir a mais numerosa frota.
Na parte oposta da ilha, encontram-se portos frequentes, e a arte e a natureza tornam-na de tal modo inacessível, que um punhado de homens poderia impedir o desembarque do maior exército".
Thomas More in A Utopia

Lembrei-me hoje, dia de rescaldo, após o anúncio, por parte do Governo, de novo agravamento das medidas restritivas, do livro de Sir Thomas More “A Utopia”, publicado no ano de 1516. Preconiza o autor uma concepção teórica de Estado perfeito, onde se viveria não só com plena liberdade religiosa, mas também com igualdade e justiça social. A distribuição do trabalho, seria uma forma de libertação dos homens, muito embora obedecendo à estratificação social da época, procurava estabelecer-se, como limite máximo, a carga horária diária de 6 horas, por trabalhador. Uma inovação numa sociedade pós medieval e, aparentemente, impraticável no mundo actual onde a classe assalariada tem vindo a perder direitos adquiridos, em modo pós-revolucionário, numa proporção directa ao endividamento do monstro do Estado. À imagem das críticas de Eça e Bordalo Pinheiro, aos governantes da época, também a Utopia, de Sir Thomas More, constituiu uma crítica às políticas inglesas do seu governo, tendo, igualmente, a particularidade de manter não só a actualidade, como antecipa modelos políticos que estariam na génese das concepções teóricas de Marx e Hengels. More, teoriza que o direito da propriedade individual, enquanto fundamento do edifício social, é gerador de” miséria, tormentos e desesperos”. Não posso deixar de entender que as suas teorias mantêm uma actualidade quase didáctica, uma vez que são preconizadoras dos tentáculos de um polvo gigantesco movido pela ganância de quem assume as rédeas do poder não sendo difícil identificar aqueles que ali chegaram de mãos a abanar e que dali partem sem explicações relativamente ao seu enriquecimento sem causa. Quanto às repercussões, essas, naturalmente incidem sobre o cidadão anónimo que sem perspectivas e num desalento mórbido, arrasta a sua dignidade pelos meandros de um Inferno de sobrevivência Dantesca.

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