Todas as variáveis se concentram no sujeito. Aquele estranho que transportamos dentro de nós e que nos desafia sobre os enigmas do desconhecido. "Nenhum Caminho será Longo" é uma viagem dentro do nosso tempo, que questiona e suscita uma análise introspectiva como se cada um de nós fosse um projecto inacabado susceptível de mutações e incertezas.
Numa prosa fluida, acolhedora, redentora das nossas perplexidades, Tolentino Mendonça identifica-nos como um reservatório por onde passa o tempo. Um tempo que causa dúvidas, constrangimentos e estranhezas. Um tempo, por vezes, demolidor das nossas convicções, surpreendentemente desafiador das nossas certezas, mesmo aquelas que sempre consideramos imutáveis. Tolentino refere a nossa perplexidade quando nos confrontamos com o intruso que surge dentro de nós e nos faz, certo dia, observar ao espelho e questionar "Quando eu me vejo, quem vejo? Quando eu me olho, é a mim mesmo que observo?". Surpreendermo-nos com nós próprios é o maior desafio e a maior incerteza, e é nesse momento que o passado constitui um fluxo de cinzas para passarmos a encarar o presente e o futuro como uma luminosa descoberta. Com um discurso previsivelmente teológico, Tolentino confronta-nos com os mistérios divinos, onde "Deus é uma pergunta, Deus é um assombro, Deus é um desconhecido".
Camus |
Contudo, foi a mensagem introspectiva que me despertou curiosidade e a recondução a outros autores que se debruçaram na mesma linha. Camus é aquele que refere que "começar a pensar é começar a ser consumido", desenvolvendo no seu livro "O Mito de Sísifo" uma análise sobre o jogo mortal que vai da lucidez perante a existência, à evasão fora da luz, ou quando o suicídio é a resposta para uma existência que deixou de valer a pena viver. É nesta mutação, nesta epifania inacabada, que todos nos situamos, uns mais do que outros, constituindo o factor determinante, a crise incontrolável que nos assalta, e que nos leva a questionar o inquestionável.
Frederico Nietzsche |
A resposta, dependerá da degladiação de cada um com as suas sombras, podendo oscilar o divórcio entre a agitação quotidiana da vida e a renúncia a todos os sofrimentos, por se entender que deixou de valer a pena o esforço de viver. Na encruzilhada, caso a opção seja feita pela verdade da descoberta, depois do percurso, depois das trevas e de "todos os lugares desertos e sem água", como referia Jaspers, chegamos à última curva do pensamento, onde o verdadeiro esforço reside em nos aguentarmos firmes até ao fim, examinando os primeiros indícios do oásis que criamos, onde rebentam pequenas gotas de clarividência e tenacidade numa vegetação subtil feita à nossa própria imagem. A "esquiva mortal", como refere Camus, constitui a fórmula da vitória absoluta sobre o deus que se instalara, cheio de insatisfações e com um gosto sádico pelas dores inúteis. É na transposição desse mundo obscuro que reside a alegria silenciosa.
É na subtileza de reconhecer o sol, depois da noite, num esforço de descoberta que nunca mais cessará que se articula na perfeição o binómio feliz da esperança e da alegria. Tal como Nietzsche descreve é esse o momento em que ultrapassamos os medos do desconhecido, todas as inquietações enigmáticas, todos os receios, desaguando numa volúpia do conhecimento com a sensação de paz assegurada e a certeza da segurança recuperada.
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