6.11.12

O Deserto de Sal do Kalahari

Deserto de sal Makgadikgadi - Kalahari Central
Todas as Primaveras, movidos por um relógio biológico que pulsa em uníssono, milhares de espécies iniciam uma verdadeira odisseia, percorrendo centenas, por vezes, milhares de quilómetros nas grandes migrações. Norteados por uma força genética instintiva, todos convergem para um zénite, como se aí se operasse uma revelação, a epifania do "vale encantado",ou aquele lugar por detrás do arco-íris, com a abundância bíblica das terras onde corre o leite e o mel. Como em todas as formas cénicas, a pulsação natural tem também aqui a sua quota parte de tragicomédia. Onde existe vida e esperança, existe também desespero e morte. Onde se antecipa a tranquilidade de um campo de papoilas de Monet, em Argentail, também se vislumbram imagens de destruição de Goya, e a loucura alucinada de Saturno. É nesta medida pendular dos dois extremos que se compreende a tenacidade inabalável de qualquer migração. A secura, a aridez e a desertificação, geram um sentimento nómada de convergência para os locais onde emergem os sinais de sobrevivência. Mesmo que a travessia seja feita à imagem da Via Dolorosa, com todas as Estações, até chegar à Igreja do Santo Sepulcro. É assim a travessia dos elefantes do Mali, quando cruzam o Sahara, dos gnus quando viajam do Quénia para a Tanzânia, das águias e dos falcões peregrinos quando voam do Mississipi para o Canadá e o Ártico. No entanto, poderá parecer estranho quando uma espécie se predispõe, repetidamente, a fazer o contrário. Partir das terras paradisíacas, do Delta do Okavango, para as planícies de pedra e sal do Deserto do Kalahari, parece, à priori, configurar a tragédia absoluta, naquela forma dramática dos seres niilistas que preferem ir ao encontro da tortura e da morte, ao invés de permanecerem na tranquilidade dos prados verdes. Se ficarmos atentos, acabamos por perceber a razão. Aparentemente inóspito, branco da cor do sal, vazio, violento e infinito como o silêncio onde só se ouve a pulsação e a própria respiração, o deserto de sal do Makgadikgadi, no Kalahari, é um óasis de sobrevivência para inúmeras espécies. Aves de grande e pequeno porte, flamingos, zebras e outros mamíferos, indiferentes às dificuldades do percurso, procedem a uma longa viagem migratória com o objectivo de ingerirem os minerais depositados no sal, essenciais à sua constituição, à biodiversidade e ao equilibrio ecológico da região. Perfeitamente adaptados à aridez do local, permanecem aí até às primeiras chuvas, altura em que o seu relógio biológico se apressa a ditar-lhes nova migração até ao Delta do Okavango. O regresso, será efectuado sempre, ciclicamente, na próxima estação.

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