Henry David Thoreau (1817-62) |
"O meu vizinho mais próximo fica a mil e seiscentos metros daqui, e não se avista nenhuma casa a não ser do alto da colina, a oitocentos metros da minha. Tenho o horizonte orlado de bosques e todo para mim; de um lado, a vista da longínqua ferrovia ao atingir o lago, da outra banda a da cerca que contorna a estrada da região florestal. Mas na sua maior parte o sítio onde moro é tão solitário como as pradarias. É tão Ásia e África como Nova Inglaterra. Tenho, por assim dizer, meus próprios sol, lua e estrelas, e um pequeno mundo só para mim. Nunca um viajante passou à noite pela minha casa ou veio bater-me à porta, quase como se eu fosse o primeiro ou o último dos homens;(…)"
"Se como uma aranha eu fosse confiado a um sotão pelo resto dos meus dias, o mundo para mim seria imenso desde que estivessem comigo os meus pensamentos".
É curioso quando iniciamos a leitura de um livro e de repente, como se o imprevisível estivesse ao virar de cada página, sentimo-nos identificados com as descrições, a filosofia, a linguagem, as emoções e os sentimentos do autor. Com a convicção de um princípio divino, no interior de cada homem, e defendendo o direito ao sancionamento individual nas questões da fé, Thoreau, um dos percursores do Transcendentalismo, conta-nos, em modo auto-biográfico, o retiro que efectuou, por opção própria, durante dois anos, nas margens do lago Walden, nos arredores de Concord, Massachusetts.
Entregando-se à contemplação, o autor adoptou uma prosa nitidamente metafórica expondo, de forma admirável, o intimismo reflexivo que desenvolveu consigo próprio e as considerações que teceu sobre o mundo natural que o rodeava. Zelando em exclusivo pela sua subsistência, Thoreau foi criando vínculos, superando o isolamento e quebrando as barreiras naturais que se levantavam à sua permanência num meio desconhecido e hostil. Estabeleceu relações com os animais, as árvores, a chuva, os lagos, as distâncias, as estações, o sol e a lua, a noite e o dia. Laços que o ajudaram a compreender o silêncio da floresta, afinal cheia de ruídos conhecidos, como o "canto dessa ave forasteira celebrado por poetas de todos os países" ou "uma gralha azul gritando estridente à janela" da casa construída pelas suas próprias mãos.
"Em vez de frequentar um erudito, fiz muitas visitas a certas árvores, de espécies raras nas circunvizinhanças, dessas que se isolam no meio de uma pastagem, no coração de um bosque ou de um pântano, ou no cimo de uma colina"
Lake Walden - Concord - Massachusetts |
Thoreau aligeirou as diferenças e enalteceu as semelhanças. Quebrou fronteiras e amenizou a solidão que poucas vezes sentiu, como refere numa das suas passagens do livro. Não tendo natureza de ermitão Thoreau eleva os aspectos individualistas da existência humana, inspirando-se na ênfase Platónica do sujeito e na hegemonia da natureza sobre a sociedade. Refugiando-se num mundo feito à sua medida, natural e transparente, com o qual estabelecia diálogos, exaltava a mente, desenvolvia capacidades reflexivas e produzia poesia, Thoreau, num ecletismo romântico, desafiou os jovens que se acercavam da floresta, para pescar e caçar, a deporem os seus instrumentos bélicos e a dedicarem-se à introspecção do seu mundo individual, tendo como premissa que
"Todo o homem é senhor de um reino ao lado do qual o império terrestre do Czar é apenas um estado minúsculo, um montículo deixado pelo gelo".
Thoreau enalteceu a capacidade para apreender a verdade, preconizando a consciência como guia moral e a inspiração como fonte criadora da literatura. Herdeiro tardio do optimismo de Rousseau, a sua influência viria a ecoar nas filosofias de resistência passiva de desobediência civil, das quais os movimentos de independência e equidade social, liderados por Gandhi e Martin Luther King, respectivamente, são os exemplos de maior sucesso, num conturbado séc:XX.
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