1.7.12

Os Segredos da Capela Sistina (6)

Joel
Sibila Délfica
No universo católico de quinhentos, barroco e circunscrito a um ambiente inquisitório de caça às bruxas, ninguém imaginaria que flutuaria por cima dos Concílios Ecuménicos, uma atrevida concepção do mundo baseada nos princípios judaicos do Talmude e da Cabala. O Papa Julius II, sem recear que o céu lhe caísse em cima, pactuou com as liberalidades de Michelangelo, dando-lhe carta branca para retratar, a trinta metros do solo, um conjunto de individualidades que, certamente, iria perpetuar o seu pontificado para a eternidade. O grupo de figuras gigantescas que Michelangelo concebeu é surpreendentemente heterogéneo. Ao lado dos sete profetas hebraicos foram adicionadas cinco sibilas pagãs numa prática que, logo após os trabalhos da Capela Sistina, rapidamente se converteria numa tendência definitiva da pintura renascentista.
Distribuição dos frescos Tecto da Capela Sistina
O que é que une o paganismo ao judaísmo? Em comum têm o facto de nunca olharem para o solo. Olhar para o chão é um sinal redutor que circunscreve os homens ao momento presente. O grupo, desenvolve actividades visionárias tendo em mente apenas uma finalidade comum: o futuro. Todos eles, à excepção de Jonas, o profeta que viveu três dias na barriga de um peixe,  contêm um pergaminho ou um livro na mão, como sinal da sua literacia e da sua capacidade de ler nas entrelinhas. Apelando à intelectualidade das várias facções da cultura, Michelangelo responde por remissão para a origem da palavra "intelectual", inter-leggere, ou seja, aquele que raciocina e tem a faculdade analítica de avaliar a densidade dos vários níveis propostos, procurando nas entrelinhas o todo compreensível para o universo suscitado. Podemos especular quais as razões que levaram Michelangelo a retratar as Síbilas e os Profetas com pergaminhos nas mãos mas não deixa de ser curiosa uma história que antecedeu as obras da Capela Sistina e que envolveu o artista e o Papa Julius II.



Daniel
Em Bolonha, cidade pela qual Michelangelo não nutria uma particular simpatia, Julius II encomendou-lhe a execução de uma estátua sua, em bronze, a colocar na catedral, projectando o egocêntrico papa para a posteridade. Segundo reza a história, Michelangelo terá simulado em barro essa estátua, pedindo a aprovação do papa sobre os seus acabamentos, nomeadamente, se Julius II queria ser retratado com um livro na mão, sinal da sua cultura e eruditismo. Indignado, o papa exclamou que não era nenhum académico mas um guerreiro, por isso aquilo que deveria ter na mão era uma espada e não um livro. Talvez por isso, quando anos mais tarde a estátua de Michelangelo veio a ser, infelizmente, fundida para a construção de um enorme canhão, tenha sido "baptizado" com o icónico nome de "Júlia".
Jonas
E porquê sete profetas? O papa terá achado surpreendente que, de todos os profetas escolhidos por Michelangelo, nenhum dos sete - Zacarias, Joel, Isaías, Ezequiel, Daniel, Jeremias, e Jonas - fosse um herói do Novo Testamento. Michelangelo optou por profetas hebraicos, com origens no Antigo Testamento, assim como omitiu todas as Síbilas que, na doutrina cristã, anunciavam a vinda de Cristo. A explicação para estas opções poderá ser encontrada na sua formação, na Academia Platónica de Florença e, numa concepção particular do universo, inspirada numa multidisciplinariedade cultural, com relevo para os ensinamentos do Talmude e da Cabala.
Ezequiel
Relativamente aos sete profetas, o que nos ocorre de imediato são os sete dia da Criação. Segundo a Cabala, não foi só o universo material, mas a própria Realidade que foi criada durante esses sete dias e os sete profetas judeus representados ajustaram-se na perfeição a esta mensagem, uma vez que anunciavam uma futura redenção espiritual, não só para os judeus mas para toda a humanidade.
Outro significado-chave do número sete é a sua ligação às sete chamas da Menorah, o candelabro sagrado de sete braços que se encontrava no interior do Templo de Jerusalém.
Curiosamente, à data da elaboração dos frescos de Michelangelo, encontravam-se, precisamente, no topo do gradeamento que divide o interior da Capela Sistina, sete chamas de mármore que viriam a ser oito, alguns anos mais tarde, por acção de um futuro papa interessado em desmistificar as associações com a Menorah.
Sobre as mensagens de alguns dos profetas, falaremos já a seguir.

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