6.2.12

Os segredos da Capela Sistina (2)

 Melozzo da Forli - 1477 - Pinacoteca - Museu Vaticano
Sisto IV rodeado de 4 dos seus sobrinhos preferidos Della Rovere, ao centro o futuro Papa Júlio II
De joelhos, Platina, o novo prefeito da Biblioteca

Francesco Della Rovere nasceu no seio de uma família modesta, do noroeste de Itália. Desde cedo manifestou aptidões literárias o que o levaria a entrar no seminário mais por razões de ordem financeira do que por vocação. O seu percurso seria traçado de acordo com os planos ambiciosos dos homens do clero. Cedo foi ordenado cardeal e, posteriormente, eleito Papa. Com o nome de Sisto IV, o início do seu pontificado é marcado pela concessão de títulos, propriedades e privilégios à sua família. Manifestamente corrupto, rodeou-se de todos os seus sobrinhos, tornando-os descaradamente ricos. As suas primeiras acções do pontificado ficaram famosas pela preocupação em elevar o estatuto social e financeiro da sua família ao invés de atender às perturbações da Igreja delapidada com o "Exílio Babilónico" do Vaticano em Avinhão. Um dos seus sobrinhos viria inclusivamente a suceder-lhe, sendo Julius II que encomendaria os frescos do tecto da Capela Sistina a Michelangelo. Mas nem tudo foi mau com Sisto IV. Deve-se a este Papa o interesse pela arte e a reconstrução e ampliação da famosa Capela Sistina. Colhendo as dimensões no Livro dos Reis, a Capela Sistina foi reconstruída com as medidas exactas do Templo de Salomão, em Jerusalém, numa evocação sucessionista da Igreja Católica em relação ao Judaísmo. Numa apologia de um catolicismo triunfante, Sisto IV pretendeu deixar, para a posteridade, uma mensagem subreptícia de dupla condenação: não só os judeus deveriam sofrer, para todo o sempre, as penas da execução de Cristo, errando pela Terra sem pátria certa e sem destino, como também deveriam sofrer, pela própria mão papal, a perca do Templo Sagrado de Jerusalém, transferindo-o para Roma, numa atitude clara de triunfo sucessivo do catolicismo sobre o judaísmo. Ao visitante inadvertido, os pequenos pormenores que relacionam a Capela Sistina ao Templo de Salomão passam, naturalmente, despercebidos. Não só as medidas do templo são exactamente as mesmas que se encontram consagradas no Antigo Testamento, como o altar foi recriado com uma elevação de 30cm, em relação ao restante piso da Capela, facto que copia fielmente o local do "sancta sanctorum", o local mais sagrado do Templo de Salomão, (ao qual já me referi aqui neste blog), onde apenas o Sumo Sacerdote do povo judeu pode aceder, uma vez por ano, por altura da celebração do Yom Kippur. O tecto original da Capela, anterior à comissão de Michelangelo, foi igualmente projectado à imagem da maioria dos templos judeus.
Mosaicos Cosmati
Um céu azul, coberto de estrelas douradas, recordava o sonho de Jacob (Genesis 28, 11-19) quando dormiu ao relento, depois de fugir da casa do seu pai. No sonho, Jacob via uma escada pela qual os anjos subiam e desciam, tendo denominado o local como a “Casa de Deus”. Seria, precisamente, esse o sítio onde o Templo de Salomão viria a ser construído, numa clara evocação das Escrituras, e agora, manifestamente transladado para a esfera de Roma. Por último, o chão da Capela foi efectuado com uma proliferação de fantasias geométricas inspiradas nos mosaicos medievais da família Cosmati, os mesmos que anos antes tinham decorado o piso da Abadia de Westminster, em Londres. Os desenhos, com significados esotéricos, promovem espaço e fluidez à capela, mas acima de tudo comportam funções relacionadas com os rituais de consagração da missa papal, o local onde o papa se deve ajoelhar, o da entoação dos salmos e cânticos, o da agitação do turíbulo.
Roma - Arco de Tito com o saque da Menorah
Mas, se repararmos no chão da Capela, apercebemo-nos que no preciso local onde a fornalha queima os votos para produzir o fumo negro e o fumo branco, durante o Conclave para a eleição do novo Papa, a decoração dos mosaicos foi efectuada com o Selo de Salomão. Composto por uma combinação de dois triângulos de Fílon, sobrepostos e a apontarem para cima e para baixo, é também conhecido como Estrela de David, símbolo universal do judaísmo.
Muitas são as lendas sobre a origem deste símbolo. No caso das Mil e Uma Noites, é referido como um anel mágico do qual o rei Salomão se servia para dar ordens aos demónios, ou para falar com os animais. Para outros, é atribuído ao rei David pelo facto do hexagrama representar o mapa astrológico do momento do seu nascimento. Mas, a teoria mais credível será aquela que reconduz a estrela de David à interpretação mística do número 7, reflectido nas seis pontas que rodeiam o centro. O 7, é o número da Sagrada Menorah. O candelabro de sete braços que existia no Tabernáculo do Templo de Salomão. Saqueado em 69 d. C., na invasão romana de Jerusalém, à qual se seguiu a destruição do Segundo Templo, a Sagrada Menorah foi levada pelos invasores para Roma, num registo triunfal perpetuado no Arco de Tito. Acredita-se que, ainda hoje, se encontre entre os tesouros secretos escondidos nas catacumbas do Vaticano.
(continua)

4 comentários:

Anónimo disse...

xelente recensão! ( eu sigo, não a antiga, nem a neo, mas a minha ortografia...e tenho pena de não saber ortografar comós putos com bués de kapas e comprimida... ahahahah! pelo menos salvava umas árvores de serem abatidas...:)
Umas notas:
- "agregação multicultural": muito bem visto o espirito da época.
- o hebreismo é uma das múltiplas vertentes... vide o mix da cabala cristã!
- mensagens subliminares do Miguel são similares - com o seu toque pessoal e outros aggiornamentos - a outras que subjazem em pinturas anteriores que vêm de antes de meados do século...
- o quadro com o Platina e o della Rovere, talvez não tenha mais nenhum quercus familiar lá no meio a não serem as bolotas...
Claro que isto são meras opiniões... fundadas noutros pontos de vista.

Almedino
(este seu blogue obriga-me a chocalhar ideias... o que é óptimo. Fosse assim, pelo menos, 1% da blogosfera)

Paralelo Longe disse...

Partilho dessa personalização do acordo ortográfico :) Não concordo com as novas modalidades abrasileiradas e dificilmente me irei adaptar. Aliás não quero, recuso-me, nesta minha forma contestatária de ter o direito de optar. Gostei da decisão do Vasco G M.

Pelas suas palavras presumo que conheça o livro.
- agregação multicultural, pelas influências neoplatonicas e hebraicas da época. Sisto IV ordenou, como nenhum outro papa, a tradução dos livros cabalísticos. As influências hebraicas, como muito bem diz, com a Cabala Cristã surgiram nesta época. Na aurora do Renascimento.
Questiono-me se não teria subjacente a vontade de assimilar os princípios cabalísticos, pulvorizando-os, integrando-os na unidade cristã quase a título de supremacia filosófica sobre o "destino errante dos condenados".
- quando fala nas mensagens subliminares de outras pinturas de meados do século passado, lembrei-me imediatamente de Botticelli e do atrevimento em recorrer, num período aureo da Inquisição, ao paganismo greco-romano no "Nascimento de Vénus". Muito embora seja referido como uma evocação ao amor (de G. Médici por S. Vespucci), acredito que a opção tenha sido a de agitar os canones da Igreja face ao ridículo colete de forças imposto pela Inquisição. Sempre admirei os contestatários, as vozes únicas dissidentes do colectivo.

Obrigada pelas suas palavras generosas. O objectivo é meramente lúdico. É um prazer trocar ideias.

Anónimo disse...

não, plizzzzz, não me fale no vgmoura!
Que cromo!(nem como tradutor me convence embora meritório, muito menos como poeta...o que lhe invejo é o sevenupismo...lol... mas isto são outras estórias +/- crípticas, com muita dor de cotovelo da minha parte...ahahahh!).
ah o boty!
Cuidado com os títulos que se apoem às pinturas dessa época. De uma maneira geral "saem ao lado", perto, mas ao lado.
Não interpreto essa pintura - tal como a da prima Vera - como aparece enciclopediada.
Ambas são uma HOMENAGEM à mulher - maxime à natureza - via mito das carites/graças! O trio feminino que encarna o re-nascimento fecundo, ctónico da "D. Ana Teresa". O impubere fevereiro a clarear, a púbere primavera mai-lo "impetus" machista, mercurial, e a fortaleza (fortezza) da mulher adulta,frutada, augustal,que acolhe a sua sucessora. Venerando Vénus, a vera matrix e o homem mercurial para o mix das coisas, sempre a mexer-se! E alguns com a mania que são messias, quando a salvação está no colo! lolllll...
Ambas as pinturas devem ser lidas em "narração contínua", tipo bd.
esta, salvo melhor opinião, é a minha interpretatio!
almedino

Paralelo Longe disse...

- Gosto do VGM. Conseguiu seduzir-me com a brilhante tradução do Alighieri. Passou a fazer parte dos volumes de leitura lenta o que é um passo notável para aqueles livros que se assemelham a tijolos :) Não acredito na sua inveja. É um sentimento mesquinho que ceifa a auto-estima e tolda o pensamento. Vejo antes nas suas palavras, admiração. O que lhe fica muito bem. E qualquer cromo tem sempre a virtude da originalidade. Procuro ver sempre o lado positivo das coisas.
- quanto a Botticelli, tem razão. Concordo com a sua perspectiva. Nos dois quadros aborda-se a idílica alegoria da beleza, das virtudes e da voluptuosidade da mulher. Tive a sorte de ver essa BD dupla nos Uffizi. Partilho dessa leitura em sequência. Creio que os quadros estão ligados pelo mesmo tema: o amor de Giuliano por Simonetta, evocado aqui na sua faceta mais platónica.
- Mercúrio está de costas para a cena. Reflecte desinteresse. Não é por acaso que é o mestre do disfarce. O deus da transformação e das juras falsas, um travestido obscuro que projecta realidades ambíguas com o intuito de lançar a confusão entre os seus pares. Compreende-se o seu afastamento quando estão em causa alegorias representativas da beleza e da honestidade.
- Cada vez mais acredito que o Messias está dentro de nós. O objectivo de todos nós julgo que seja conquistar aquela pequena parcela de paz e tranquilidade que nos catapulta para o pequeno reino do conforto e da felicidade. É uma aspiração legítima que pretende dar cor à vida. É sempre um problema quando somos confrontados com quem acredita que tem o poder de criar palcos dantescos na vida dos outros. Geralmente são movidos por sentimentos que ficam aquém da nobreza. Acredito que a maior parte dos conflitos tenha origem nesses poucos terráqueos distorcidos que incitam à discórdia, ao invés da paz. Pequenos mercúrios que ludibriam com o intuito de conquistar falsos Olimpos.

Obrigada por passar por aqui. É um prazer trocar impressões consigo.
Cristina