"Tossi para chamar a atenção para a minha pessoa, mas ninguém apareceu na porta lateral entreaberta, o único acesso ao espaço atrás do balcão. A luz da sala a seguir à porta estava ligada, mas nenhum som chegava dali. «Boa noite», disse, e esperei um pouco, para depois repeti-lo em voz alta. De novo não houve qualquer resposta. A biblioteca estava em silêncio absoluto.
Estava ali indeciso, não sabendo o que fazer, quando de repente todas as luzes se apagaram. De um momento para o outro encontrei-me em quase completa escuridão. As janelas que até pouco tempo representavam apenas uns rectângulos pretos tornaram-se agora a única fonte de alguma iluminação em redor. Através delas, do exterior, corria o brilho fosco e alaranjado dos candeeiros da rua, enfraquecido pela cortina de neve. Enquanto os meus olhos se habituavam à escuridão, fazia um esforço, e não sem um certo desconforto, para adivinhar qual poderia ter sido a causa.
Foi então que, de um lugar indefinido do andar de baixo, chegou um som agudo e metálico, semelhante ao de uma chave a girar na fechadura. No mesmo instante apercebi-me do que, na realidade, se estava a passar. O pessoal não tinha de passar pela sala principal para descer para o rés-do-chão. Enquanto em vão os esperava no balcão, eles chegavam à escada por um outro caminho, ou talvez tenham descido de elevador, para depois, antes de saírem, desligarem a electricidade do prédio inteiro no disjuntor central. Era uma medida de precaução sensata numa instituição do tipo de uma biblioteca. (...) Perguntei-me o que faria se fosse um ladrão. Ele de certeza não esperaria até segunda-feira para o deixarem sair. O que uma pessoa dessas faria no meu lugar? Reflecti um pouco sobre isso, mas as coisas que me ocorreram eram quer inadmissivelmente violentas, quer demasiadamente perigosas, quer dificilmente realizáveis, incluindo o uso de ferramentas das quais eu, claro, não dispunha. Em suma, parecia que não me podia gabar de ter a perspicácia de um ladrão.
E então tive a ideia luminosa que nenhum ladrão conseguiria ter nem que fosse em sonhos. Havia uma saída simples daquela trapalhada à qual tinha acesso precisamente graças ao facto de ter entrado na biblioteca por motivos honrados, e não desonestos. A única coisa que era preciso fazer era voltar ao balcão e usar o telefone que ali se encontrava. Os telefones permanecem ligados mesmo quando não há electricidade. Chamaria a polícia e explicar-lhes-ia o que me acontecera. Talvez lhes parecesse estranho, mas mesmo que não acreditassem em mim imediatamente, continuaria a chamá-los até que viessem para verificar. Depois tudo seria fácil. Era bastante provável que me levassem até à esquadra para fazer uma declaração. Nunca tinha tido nada com a polícia, mas mesmo isso era mais aceitável do que definhar ali dois dias e meio."
Zoran Zivkovic in A Biblioteca - Cavalo de Ferro -
Sem comentários:
Enviar um comentário