14.11.11

Alain de Botton - Como Proust pode mudar a sua Vida

 Jean-Baptiste Chardin - Plateau de pêches - 1769
Quando adquiri o livro não acreditei que se tratasse de um manual de auto-ajuda. Pelo contrário, o nome pareceu-me suficientemente sugestivo pois propunha efectuar algumas dissecações na obra literária de Proust, nomeadamente, “Em Busca do Tempo Perdido”. Alain de Botton conduz-nos, através do olhar de Proust, numa proposta plástica de transformação da tediosa natureza trivial das coisas, convolando o nosso olhar em janelas para um mundo extraordinariamente sedutor e evocativo dos sentidos. Com o título “Como Abrir os Olhos”, Proust sugere a um jovem entediado, com a pobreza da sua vida burguesa, deixar de procurar no esplendor e nas vidas principescas dos quadros de Van Dyck e de Varonese a compensação para a frustração do seu dia a dia. Proust sugere-lhe uma medida pedagógica. Leva o jovem pela mão para uma das alas mais recônditas do Louvre, aquela onde se encontra exposta a obra de Jean-Baptiste Siméon Chardin, pintor que se debruçou sobre temas de interior tão banais como naturezas mortas, caça, utensílios de cozinha ou cenas da vida doméstica. Em Chardin, ao contrário da opulência dos grandes salões e dos grandes feitos heróicos, encontramos a trivialidade dos temas diários. Porém, os quadros de Chardin têm o poder de nos abrir os olhos, tornando mutável o nosso sentido de beleza, sensibilizando-nos para qualidades estéticas até aí ignoradas.  Um pêssego cor-de-rosa roliço como um querubim, o jogo de luz na extremidade de uma colher, a suavidade das fibras de uma toalha de mesa, os tons rosados da face de uma criança.
Poderíamos enfatizar, na história da arte, uma sucessão de génios que nos vão apontando diferentes elementos dignos da nossa atenção. Esta dicotomia, entre o trivial e a felicidade que pode advir de um segundo olhar, é essencial em todo o conceito terapêutico de Proust. O que achei mais curioso, nesta abordagem, foi a coincidência com o que me ocorreu, precisamente, em Junho passado, quando, em visita ao Prado, em Madrid, adquiri bilhetes para a exposição temporária de Chardin, confesso, sem particular entusiasmo. Os temas abordados não suscitavam o arrebatamento dos grandes mestres, como Goya, Bosh, Velásquez ou El Greco e quando adquiri o folheto percebi que os temas circundavam as conversas de preceptoras com crianças mal comportadas (por sinal um dos quadros mais fascinantes de Chardin) e a opulência das lebres e dos faisões, feitos troféus de caça. Contudo, apesar dos temas banais, senti-me como o rapaz do ensaio e o narrador de “Em Busca do Tempo Perdido”, salva por um mundo revelado por cores verdadeiras, inesperadamente gloriosas, recordando-me a estreiteza de visão de que por vezes somos acometidos ao ficarmos reféns de imagens perigosamente formatadas.  Proust incentiva-nos a avaliar devidamente o mundo, recordando-nos continuamente o valor dos cenários modestos, que são atraentes de per si, pela sua transparência e ausência de ambiguidade. Na realidade, “tudo se resume a uma visão íntima, democrática e despretensiosa da beleza, uma visão seguramente ao alcance de um salário burguês e desprovida de qualquer faceta grandiosa ou aristocrática”. Quanto à exposição de Chardin, no Prado, fica a promessa do relato das minhas impressões, para breve.
 Jean-Baptiste Chardin - Nature Morte - 1750

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