“Hoje, estou preso. O meu corpo está preso numa masmorra, o meu espírito está preso por uma ideia. Uma terrível, uma sangrenta, uma implacável ideia. Só tenho um pensamento infernal, como um espectro e chumbo, só e repelindo qualquer distracção, frente a frente comigo, miserável de mim e sacudindo-me com as suas mãos de gelo, quando quero voltar a cabeça ou fechar os olhos. Ele introduz-se sob todas as formas, naquilo onde o meu espírito procurava fugir-lhe, junta-se como um estribilho terrível, a todas as palavras, que me dirigem, cola-se às grades hediondas da minha prisão; obsedia-me acordado, espia o meu sono convulsivo e reaparece-me em sonhos na forma de um cutelo.”
Vitor Hugo in “O Último dia de um condenado”Quando ontem folheava o Público não foram os milhões de Khadafi congelados, nem o monocórdico Sócrates ou os seus repetidos esforços inglórios para conter as despesas públicas que me cativaram a atenção. Muito menos as questões jurídicas que envolvem os pagamentos de Berlusconi no desinteressante caso Ruby. A minha atenção, foi compulsivamente desviada para a página que dava conta da prisão do artista chinês Ai Weiwei e do assassinato, em Israel, por um grupo estremista palestiniano, do actor Juliano Mer-Khamis, símbolo da luta pacífica pela causa palestiniana no seu país. Ambas as acções ocorreram sem razões ou fundamentos que as justifiquem, numa atitude de prepotência e autoritarismo, no primeiro caso das autoridades chinesas, que levaram a cabo buscas no domicílio de Ai Weiwei, apropriando-se de material informático, vandalizando os discos rígidos dos seus computadores, numa manifesta violação da privacidade e dos direitos liberdades e garantias individuais. Com paradeiro desconhecido, Weiwei está sob a custódia dos temerários da diferença, dos cobardes que se escondem atrás do escudo político e dos seus privilégios cumezinhos, daqueles que pactuam contra qualquer manifestação que possa beliscar os camarotes da monótona política instalada, daqueles que, tal como o condenado à morte, têm o corpo e a mente encerrados em masmorras e espiam compulsivamente o sono tranquilo dos livres de espírito. Como quaisquer condenados à morte, as ditaduras cedem às manifestações pela liberdade que se infiltram, mais tarde ou mais cedo, pelas frestas da demência calcificada escondida atrás das ilegalidades dos objectores da diversificação e da pluralidade de ideias. Apesar dos esforços de alguns representantes dos governos ocidentais, nomeadamente, dos Estados Unidos, União Europeia e Alemanha, até esta manhã presumia-se que Weiwei permanecesse sob detenção em parte incerta. Acreditamos que os esforços internacionais produzam rapidamente a inevitável alteração das circunstâncias. Fotogr: Desc
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