27.1.11

Um pesadelo

"Fechei a porta do meu escritório e dirigi-me ao elevador. Ia chamá-lo quando uma personagem estranhíssima atraíu toda a minha atenção. Era tão alto que eu devia ter percebido que o sonhava. Aumentava a sua estatura o seu barrete cónico. O seu rosto (que não vi nunca de perfil) tinha qualquer coisa de tártaro ou do que eu imagino ser tártaro e terminava numa bárbara negra, que também era cónica. Os olhos fixavam-me, brincalhões. Usava um longo sobretudo preto e lustroso, cheio de grandes discos brancos. Quase tocava no chão. Talvez suspeitando que estava a sonhar, ousei perguntar-lhe não sei em que língua porque vestia daquela maneira. Sorriu-me com manha e desabotoou o sobretudo. Vi que por baixo havia um longo fato inteiriço do mesmo material, com os mesmos discos brancos, e soube (como se sabem as coisas nos sonhos) que por baixo havia outro. 
Naquele preciso momento senti o inconfundível sabor do pesadelo e acordei". 

Borges in Obras Completas Vol.III -
Fotogr CRV

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