7.11.09

Esquecer é perdoar

Bornéu - Kinabalu National Park
"Abel e Caim encontram-se depois da morte de Abel. Caminhavam pelo deserto e reconheceram-se de longe, porque eram ambos muito altos. Os irmãos sentaram-se na terra, fizeram uma fogueira e comeram. Guardavam silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando declina o dia. No céu aparecia uma outra estrela, que ainda não recebeu nome. À luz das chamas, Caim reparou na marca da pedra na testa de Abel e deixou caír o pão que ia levar à boca e pediu que lhe fosse perdoado o seu crime.
Abel respondeu:
-Tu mataste-me ou fui eu que te matei? Já não me lembro; aqui estamos juntos como dantes.
-Agora sei que na verdade me perdoaste - disse Caim-, porque esquecer é perdoar. Eu tratarei também de esquecer.
Abel disse devagar:
-É verdade. Enquanto dura o remorso dura a culpa."
in Borges - Vol II

É difícil o entendimento no silêncio. As sombras ganham tamanhos homéricos e suspeitamos. É como a imagem que temos de Homero. Como é que ele será? Como seria?

"A pessoa de Homero estará para sempre imersa nas trevas impenetráveis da lenda. Ignoramos quando viveu; não sabemos que terra privilegiada lhe ouviu os primeiros vagidos (...) Venerandas tradições representavam-no como um velho cantor, pobre e cego que, peregrinando de terra em terra, recompensava a quem o agasalhava com a declamação de seus poemas”.
- Augusto Magne -

Proceder a especulações, construír imagens do nada é um desperdício de tempo e de recursos. Há pessoas, factos e situações que tocam as nossas vidas e que, tal como Homero, apenas conhecemos do que lemos. Afeiçoamo-nos ao poeta, aos seus poemas e a tudo aquilo que escreve mas, na realidade nada se destina a nós. Na realidade, os poetas escrevem para o grande público e o leitor é apenas mais um, dos inúmeros espectadores, igual a tantos outros, sem qualquer distinção particular. Seria uma presunção luxúriosa pensar que Homero alguma vez pensou em alguém, em particular, quando escreveu a Ilíada ou a Odisseia. O mesmo é válido para qualquer poeta. Ao ler uma obra, sabemos que aquilo que é público, certamente não pretendeu ser privado mas, por vezes, geram-se confusões indesejáveis entre a ficção e a realidade. Suspeitamos sempre do grau de veracidade de uma lenda. Haverá alguma verdade associada? Nunca o saberemos. Mas sabemos que há factos e pessoas que vão servindo de inspiração a poetas e escritores. Deverá ter sido assim com Homero. Meras sombras que cruzam os olhos dos poetas. Registos fotográficos de uma objectiva distante. Fotogr: CRV

1 comentário:

Olga disse...

"Most People Are Other People. Their Thoughts Are Someone Elses Opinions, Their Lives a Mimicry, Their Passions a Quotation..." Oscar Wilde. Dear TI, your post reminded me of this quote I stumbled upon a couple of days ago... I think it is so true and also a little scary... Hope you are doing better these days, please give our regards to Ze.