26.11.18

Pieter Bruegel no Kunsthistorisches Museum em Viena (2)

Há poucos relatos sobre a personalidade de Bruguel mas através dos seus quadros a leitura é perfeita. Acutilante, sarcástico, os seus desenhos constituem uma verdadeira sátira social numa época marcada por uma tricotomia que seccionava radicalmente as três classes sociais. Bruguel retratou com inspiração boschiniana a ganância e a soberba do clero, a sobranceira e a luxúria da nobreza, a miséria e as inquietações da alma do povo. Admirado pela riqueza do detalhe, Karel van Mander, contemporâneo e biografo de vários artistas flamengos refere-se a Bruegel como um "exemplo a seguir para qualquer artista que tenha ambições nas artes da pintura" descrevendo-o como "um homem tranquilo, observador, sábio e discreto, conhecido pela sua simplicidade e pelo gosto que tinha em misturar-se com a população, em festas populares, casamentos e outras celebrações, com o intuito de se inspirar para as suas criações".
Pieter Coecke van der Aelstem & Mayken Verhulst

Bruguel iniciou o seu percurso como aprendiz no atelier do pintor Pieter Coecke van der Aelstem, em Antuérpia. Durante 5 anos (1545-50) desenvolveu as técnicas generalistas mas foi com a pintora Mayken Verhulst, mulher de Coecke, que viria a aprender a Ars Nova miniaturista de detalhe realista, famosa nos finais dos século 15 na escola de Bruges e que Bruguel viria a utilizar exaustivamente nas suas obras mais conhecidas.
Com a morte do mestre, Bruegel viajou para Itália (1552) onde permaneceu dois anos a aprofundar os estudos renascentistas, mas seria o regresso a Antuérpia, e os desenhos que efectuou na travessia dos Alpes, que o tornariam percursor do retrato paisagista, como tema central de uma obra, ao contrário do que até aí era habitual na arte sacra ou na pintura retratista, onde a técnica de enquadramento paisagístico de fundo era meramente de composição decorativa.

De regresso a Antuérpia, Bruguel integrou uma elite intelectual urbana. Um cenário de artistas, escritores e editores que se agregavam em torno da evolução da imprensa. Hieronymus Cock era um conhecido editor dos primórdios da indústria tipográfica. Ansiava por novidades que fugissem às iluminárias dos livros canónicos ou às leituras de contestação luterana com intuitos cisionários da fé cristã. Nas “paisagens alpinas com vales profundos e pinheiros que tocavam o céu”, viu a oportunidade do seu negócio, pois não se tratava apenas de divulgar o trabalho de um artista, mas sim o de tirar proveitos, alargando o espectro de clientes não só à Santa Igreja ou a resistência luterana mas a toda uma população iletrada que através das publicações em massa deixava de ser mero espectador de feira para actuar na condenação e divulgação de práticas sociais menos honestas.

Alpine Landscape - Bruegel
 Certo na sua intuição, Hieronymus Cock tornou-se, em pouco tempo, um dos editores mais ricos de Antuérpia. A parceria viria a revelar-se fundamental na divulgação dos trabalhos de Bruegel, evoluindo, aos poucos, das 12 gravuras iniciais, para a sátira social, com preenchimento exaustivo de figuras grotescas, onde era notória a influência de Hieronimus Bosch (1450-1516), o grande percursor do surrealismo do século XX. ”

"Big Fish Eat Small Fish” é uma das verdades universais representada com uma complexidade de figuras que interagem e das quais o observador retirará as suas próprias ilações adequando o cenário ao contexto histórico, da nova burguesia à degradação das condições de vida da população, da Inquisição ao Luteranismo.

(continua)

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