Sentada no centro do "Temple Expiatori”
rodeia-me uma floresta de árvores de pedra formada por troncos robustos
com ramos petrius que se expandem, em folhagem harmoniosamente
ramificada, até um tecto iluminado que me faz lembrar as estrelas do
céu.
Sagrada Família - 2026 |
À
minha esquerda o sol da tarde atravessa os vitrais de cores quentes,
virados a sul, refractando a luz colorida e agigantando as imagens da
vida de Cristo dando um colorido harmonioso ao chão da Basílica.
Olho em redor e ao contrário de outros templos de grandes dimensões, a arquitectura de Gaudi mudou o conceito gótico clássico dos grandes espaços. A forma e o pathos do sistema arquitectónico ganhou aqui novas geometrias e volumetrias, metamorfoseando a mística religiosa fria e descontínua, das grandes naves de pedra fria, que as grandes catedrais europeias geralmente nos sugerem.
Na decoração interior, foram excluídos os elementos carregados de mensagens apocalípticas. Ausentes estão os excertos da Bíblia que retratam a violência dos justos, o sacrifício místico dos santos, a redenção dos pecaminosos ou a destruição das cidades do Vale de Sidim. Em lugar da mística sacrificial encontramos um complexo arquitectónico que sugere uma combinação de elementos naturais ligados por uma relação simbólica de pertinência, que produz uma sensação agradável e de bem-estar.
Olho em redor e ao contrário de outros templos de grandes dimensões, a arquitectura de Gaudi mudou o conceito gótico clássico dos grandes espaços. A forma e o pathos do sistema arquitectónico ganhou aqui novas geometrias e volumetrias, metamorfoseando a mística religiosa fria e descontínua, das grandes naves de pedra fria, que as grandes catedrais europeias geralmente nos sugerem.
Na decoração interior, foram excluídos os elementos carregados de mensagens apocalípticas. Ausentes estão os excertos da Bíblia que retratam a violência dos justos, o sacrifício místico dos santos, a redenção dos pecaminosos ou a destruição das cidades do Vale de Sidim. Em lugar da mística sacrificial encontramos um complexo arquitectónico que sugere uma combinação de elementos naturais ligados por uma relação simbólica de pertinência, que produz uma sensação agradável e de bem-estar.
Retiro
o meu pequeno caderno e escrevo umas notas sobra as impressões que o
espaço grandioso, impregnado das concepções geniais de Gaudi, me
sugerem.
Por
toda a Basílica, a luminosidade assume um protagonismo significativo,
não só na cobertura da floresta densa, onde as abóbadas do tecto filtram
a luz do dia, salientando os pormenores artísticos de folhagem no
tecto, mas também nos subterrâneos e na cripta onde Gaudi fez questão
que a luz chegasse de forma directa evitando qualquer iluminação
artificial. Formada por sete capelas, dispostas em meio círculo é numa
pequena capela da cripta, decorada com um baixo relevo de Josep Llimona,
representativo da Sagrada Família na casa de Nazaré, que hoje se
celebram as Eucaristias.
A ideia da construção de um templo para
homenagear a Sagrada Família surgiu nos finais do séc. 19, no seio da
Associação dos Devotos de São José, tendo o seu presidente, o livreiro
Josep M. Bocabella, sido o seu mentor. Iniciada a procura de um local
condigno com o culto, confrontou-se Bocabella
com o valor exorbitante dos terrenos na cidade muralhada de
Barcelona, acabando por encontrar uma quadrícula mais económica, nos
arredores da cidade antiga, tendo por isso tido a possibilidade de
adquirir um talhão de terreno de maiores dimensões do que aquele que
inicialmente tinha idealizado. O local era modesto, rodeado de hortas,
casas de camponeses e um novo bairro operário que se desenvolvia
paralelamente à explosão da revolução industrial. A localização, fora da
zona privilegiada de Barcelona, valeu-lhe durante muitos anos a
denominação da "Catedral dos Pobres”.
O inicio da construção |
Corria o ano de 1880 e dois anos mais tarde iniciavam-se os
trabalhos de construção do templo, com a colaboração do arquitecto
Francisco del Villar que, após entrar em rota de colisão com Bocabella,
seria substituído 1 ano mais tarde por Antoni Gaudí, um jovem arquitecto
visionário que apresentou uma maqueta revolucionária, com uma
exuberância e um significado que elevaria o projecto inicial do templo
gótico a Basílica, competindo orgulhosamente com a catedral medieval de
Santa Maria del Mar, instalada na zona antiga da cidade de Barcelona.
Fachada do Nascimento |
Gaudí,
para além de história, estudava a natureza e esse interesse encontra-se
reflectido por toda a basílica onde penetrou de forma evidente o mundo
morfológico natural transfigurado. Aquilo que poderia ter sido uma
estrutura arquitectónica tradicional transformou-se numa arquitectura de
elementos naturais ornamentais.
Na fachada do Nascimento, a simbologia
dos elementos utilizados traduzem, todos eles, mensagens relacionados
com a mística cristã. Emoldurado por um “cipreste", sinónimo de “vida
imortal e hospitalidade”, vemos poisado um bando de "pombas brancas”
como uma alegoria às almas puras que aguardam a sua entrada no
"paraíso”. Este é o umbral do templo que une a terra e a o céu.
As
"plantas e os pássaros", que representam a "alegria do nascimento de
Jesus", as "duas tartarugas”, a da esquerda com barbatanas, virada para o
lado do mar e a da direita com patas porque se encontra virada para o
monte Montjuïc que rodeia Barcelona. Igualmente as gárgulas, que nos
habituamos a ver nas igrejas góticas, geralmente
representadas com ornatos animalescos ou figuras monstruosas, numa
advertência de vigilância contínua aos fiéis que o demónio nunca dorme e
que é preciso estar alerta, não tiveram aqui lugar. Na Basílica, as gárgulas de chifres e as
linguarudas foram substituídas por uma infinidade de animais e plantas
que saltam vigorosamente da pedra inerte numa fertilidade da natureza
que envolve harmoniosamente todo o espaço.
Altar |
As
dezoito torres que se elevam nos céus de Barcelona seguem critérios
rigorosos de volumetria e altura, projectados por Gaudí, obedecendo à
máxima de que “a obra do homem não deverá ultrapassar a de Deus”
referindo-se à altura das torres da Basílica que não deveriam exceder a
altura do monte Montjuïc que se encontra a montante de Barcelona.
Gaudí
construíu, involuntariamente, uma aura mística em seu redor potenciada
pela sua personalidade reclusa e introvertida. Devoto confesso, via
manifestações de Deus em todo o lado, na Basílica, nas torres, nas
representações morfológicas na pedra patente no simbologismo da sua
criatividade. Da nossa visita, apreendemos essa visão acutilante, genial.
A transição do clássico frio e distante para o novo pathos natural. A
mudança, das pulsões fatalistas para a harmonia espiritual das almas.
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