7.8.13

Last Train to Paradise (1)

907, Whiteshead St. - Key West
Tinha sido um bom dia de trabalho. No número 907 da Whiteshead Street, em Key West, a tarde, quente e húmida, tinha o vagar das horas sedutoras das ilhas tropicais quando a luz começa a tombar e a noite se anuncia com o requinte gráfico que tece grandes quadros na linha do horizonte. Rodeada pela sombra de árvores frondosas, a casa branca de dois pisos tinha uma despretensiosa elegância vintage, marcada pelo contraste entre o castanho forte das varandas corridas e a tranquilidade das generosas portadas amarelas viradas para fora. Hemingway procurou nesta casa o começo de uma nova vida e um refúgio da popularidade iniciada com o “Adeus às Armas” e a “Oeste Nada de Novo”, sem, contudo, verdadeiramente o conseguir. Quando em 1929 se instalou na ilha, a fama seguiu-o, levando a curiosidade dos seus admiradores a assaltar diariamente o gradeamento que contornava o jardim, tendo o número 907 constado de imediato dos roteiros turísticos de Key West. Numa inevitável violação da privacidade dos Hemingways, as gente sucediam-se em vigílias de silêncio, procurando decifrar os rumores do espaço e a vida dos jardins, povoados de gatos de 6 dedos e de flores que flutuavam por cima de um terreno forrado por uma cuidada relva verde. 

O céu estava limpo e varria a ilha uma brisa suave que amenizava o calor do final da tarde. Hemingway tinha-se adaptado facilmente aos trópicos e ao mar, inspirando-se, para escrever o "Velho e o Mar", nas suas aventuras a bordo do “Pilar” e nas lutas que travou com espadartes de 150 Kg que demoravam uma vida a morrer.

Estávamos em 1935, e comemorava-se o Dia do Trabalhador, num Sábado sem pressas onde nada podia perturbar a tirania de mais um final feliz. Depois de um breve passeio pelos jardins, Hem recolheu ao seu escritório para analisar as condições de navegação do dia seguinte.

O gosto pelo mar levava Hemingway, com frequência, a decifrar as previsões atmosféricas numa época em que os meios técnicos eram ainda rudimentares, constituindo a astúcia dos velhos marinheiros, o telefone e o telégrafo, os meios primitivos de difusão dos alertas locais. 

Nessa tarde de Sábado, chegam notícias de uma perturbação atmosférica para os lados de Havana. Hemingway toma conhecimento que os ventos se dirigem para as Keys. Quem conhece as ilhas, saberá que são formadas por recifes e afloramentos calcinados de vida marítima, não atingindo, a maior elevação de terreno, os cinco metros de altura. Qualquer crispação, na ondulação marítima, não ficaria muito longe do fim do mundo.
(continua)

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