11.6.13

A Geografia do Tempo

Hannah Arendt
"Esta força diagonal, cuja origem é desconhecida, cuja direcção é determinada pelo passado e pelo futuro, mas que exerce a sua força em direcção a um fim indeterminado como se pudesse alcançar o infinito, parece-me uma metáfora perfeita para a actividade do pensamento". 
Hannah Arendt  

Lia um ensaio sobre o livro "The Life of the Mind" de Hannah Arendt, quando me confronto com uma tese apetecível sobre a geografia do tempo. Atribuíndo à mente humana a capacidade de criar um tempo subjectivo próprio, o homem motivado pelas vicissitudes da história e da vida tenderá a criar no presente um intervalo, no tempo cronológico, que entende o passado e o futuro como forças antagónicas que se degladiam. 

É nesse intervalo subjectivo que podemos dar conta que, tal como o tempo cíclico da natureza, onde encontramos o nascimento e a morte, também aqui haverá lugar a um ciclo que enquadra cronológicamente um momento antecedente e um precedente. Hannah Arendt identifica esse momento como "uma verdadeira desconexão por acção e por vontade" entre um tempo passado "criando uma nova série a partir do presente". 

A ideia parece demasiado teórica mas, na realidade, não faz mais do que construir um teorema sobre as grandes cisões da história onde a vontade dos homens foi percursora das grandes revoluções. E é a partir da Revolução Americana que Arendt exorta a sua tese mas, sem dúvida, que haveria lugar para tantos outros exemplos que, por acção do homem metamorfosearam a sequência objectiva do curso do tempo. O desenho do tempo, surge-nos em Arendt como um aforismo onde se degladiam dois adversários: "o passado, que empurra, desde o início, o tempo para a frente e, o futuro, que veda o caminho evolutivo do primeiro". O homem, ser consciente das forças antagónicas em presença, acaba por se transformar em "vítima" num determinado ponto de colisão desta dupla pressão. Na "luta" os apetrechos vão evoluindo, entre o "passado morto", que se ergue como um mecanismo de imobilidade nostálgica que impede a mente de progredir, e a vontade de desbravar um futuro que, por receio, tarda em se manifestar, em se impor e, por fim, a existir. 

Viver numa frente de batalha não é necessariamente o contexto ideal para desenvolver uma actividade reflexiva. A exigência da tranquilidade faz-nos, por vezes, ter vontade de retirar os adereços do palco, remetendo-nos aos bastidores na procura daquilo que Kafka chamou "a saída da linha de combate e a assunção como árbitro absoluto". O sonho da tranquilidade, tão antigo como Parménides, não reveste em Arendt a faceta platónica dos dois mundos: o mundo interior, pessoal, entendido como o real e verdadeiro, por oposição ao mundo exterior, comum, que subsiste de aparências. 

Arendt rejeita a teoria da dualidade e concebe o recolhimento como uma suspensão. A troca momentânea, do mundo dos objectos pelo mundo dos conceitos, fundada nos próprios acontecimentos da vida quotidiana estariam na origem da criação de um presente intemporal. Nesse hiato a recordação e a antecipação seriam construídas com uma equidistância alargada, remetendo o ponto de colisão do passado e do futuro para longe do indivíduo, evitando assim a perturbação. Conseguiremos desta forma tomar posse do nosso tempo? "Aprofundar o presente, enaltecer o verdadeiro, o belo e praticar o bem?" Simone Weil sintetizou desta forma o agarrar " do nosso tempo". Caso se entenda o teorema como um desafio, cumpre explorá-lo. Foi o que fizemos.

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