"Porque será tão difícil por vezes determinar um percurso a seguir?" Esta é uma das questões que Thoreau suscitou na palestra que pronunciou no Concord Lyceum e que daria origem ao seu livro "Caminhada". Mais do que uma evocação ao refúgio na natureza agreste, aos longos passeios pelos prados virgens ou ao trepar às árvores de onde se avistam novos horizontes, o livro esconde o subtil magnetismo que a natureza nos revela se, inconscientemente, nos rendermos a ela. A viagem, é subtilmente espiritual, sendo as veredas por onde se embrenha aquelas "que outrora percorreram velhos profetas e poetas como Manu, Moisés, Homero e Chaucer".
Free your mind and let your spirit fly é uma imagem iconográfica que enquadra na perfeição a mensagem de Thoreau, pois "um homem que não sai de casa todo o dia pode ser o mais errante de todos", por oposição àquele que sem terra deambula sem norte "como um sinuoso rio que procura persistentemente o caminho mais curto para o mar". "Há, porém, certas estrada que vale a pena percorrer, como se agora que estão em ruínas nos conduzissem ao caminho certo". Propensos, por vezes, para efectuar a escolha errada, o que é certo é que a terra parece inesgotável e surpreendentemente rica em encaminhar-nos na direcção correcta. Thoreau descreve-nos as suas caminhadas, não tanto em círculo, mas em parábola, perfazendo a órbita de um cometa, que descreveu curvas definitivas, espraiando-se para ocidente.
Seguindo o instinto migratório das aves, Thoreau apela à liberdade de escolher o rumo que mais nos aprouver. Rumo a oeste, por exemplo. Caminhando para um futuro, onde se deseje "observar o crepúsculo resplandecente onde o sol parece migrar diariamente incitando-nos a segui-lo" até ao horizonte onde mergulha ao final da tarde. "Será aí que iremos conhecer os jardins das Hespérides e a origem de todas as fábulas"? A resposta promissora parece surgir "das águas, dos montes e dos vales cobertos de vinhas, com uma música em surdina, que relembra o torpel dos soldados de partida para a Terra Santa". Thoreau desafia-nos a deixarmo-nos levar pelo arrebatado encanto da corrente, como se transportados para uma era heróica onde os alicerces dos castelos se encontram ainda por construir e as famosas pontes são caminhos projectados sobre os rios mais revoltos.
A cada um, caberá a total liberdade de desbravar a sua terra selvagem. No "canto do tordo dos bosques, há certos interstícios que nos levam a fixar numa terra selvagem nunca antes pisada pelo homem". O explorador, tenderá a aclimatar-se, projectando-se como uma árvore que lança as suas raízes até aos confins da terra em busca da esperança e do futuro onde se esconde a matéria prima que o agarra à vida. Nessas terras, "no prado e na noite vê-se o trigo nascer", a vida harmoniza-se com a terra selvagem e os afazeres desenvolvem-se com a pressa que se exige às coisas infinitas. Aí, a lua parecerá maior do que em qualquer outro local. O sol, alimentará o espírito daqueles que ganham o nome como as pedras de granito selvagens. Tal como os índios que não nascem com nome próprio, também o homem predisposto ganhará o nome através das suas proezas na caça e na guerra, na destreza das suas mãos, no nome dos animais, das plantas ou das aves que contribuíram para a sua reputação. Assim crescerá o ânimo dos que são tocados pelos raios de sol suaves. Por perto, apenas as sombras que se alongam num prado glorioso. No céu, o azul intenso cortado apenas pelo voo de um solitário falcão. E, ao longe, o som do pequeno riacho, que salta por entre as pedras, enredando folhas secas e pequenas cepos, rumo à foz, onde desaguam todas as águas doces de esperança. CRV©
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