19.1.12

Controvérsias da Capela Sistina - O Último Julgamento

Michelangelo Buonarroti - 1537/41 - Capela Sistina - Vaticano

As cenas do “Último Julgamento”, pintadas por Michelangelo Buonarroti, na parede por cima do altar da Capela Sistina, foram alvo de uma controvérsia feroz entre o Cardinal Carifa e o artista. O motivo da discórdia foram os nus musculados, retratados por Michelangelo nessa fachada da Capela. As poses despudoradas de São Bartolomeu, dos anjos e dos santos, foram consideradas obscenas e imorais para a época, valendo-lhe uma guerra de injúrias e difamações, comandadas pelo Cardinal Carafa e por Monsignor Sernini. Formaram-se dois partidos. Um a favor da manutenção dos frescos, apoiada por Michelangelo e os seus seguidores, outro apoiado pelo sector conservador do clero papal que se propunha ordenar a destruição dos frescos, erradicando de vez a vergonha e o mau estar causado pela leviandade do artista.
Biagio de Cesena como MINOS
O próprio responsável pelas cerimónias do Vaticano, Biagio da Cesena, alegava a indignidade das pinturas, referindo a desgraça e a vergonha que adivinhavam, para a imagem da Igreja Católica. Toda aquela “representação, dos anjos e dos apóstolos nus, num local tão sagrado como a Capela Sistina, gerava um universo de figuras obscenas que era mais apropriada para uma taberna ou um bordel do que para a casa de Deus”.
A controvérsia, assumiu contornos ainda mais polémicos quando Michelangelo retratou Biagio de Cesena, como Minos. De acordo com a mitologia grega, depois de morto, Minos desceu ao mundo subterrâneo onde se tornou um dos três juízes dos mortos. Dante, dois séculos antes, já havia consagrado a figura mitológica no seu poema épico o "Inferno de Dante". Minos, ouvia as confissões dos mortos e designava-lhes um círculo e subcírculo específico, de acordo com a falta e os pecados mais graves relatados.

A gravidade da afronta levou Biagio de Cesena a recorrer ao julgamento do Papa. O pontífice, interpelado para ordenar a destruição dos frescos, simplesmente respondeu que " a sua jurisdição papal não contemplava o submundo do Inferno, mas antes o Reino dos Céus, pelo que as pinturas da parede do altar da Capela Sistina, teriam que se manter". 

Miguelangelo foi julgado, no seu "Último Julgamento". Da polémica ficaria um conjunto único de frescos renascentistas onde Cristo, é a parte central da composição. Juiz dos eleitos, que à direita sobem aos céus, expulsa os condenados que, à esquerda, descem ao Inferno, onde os esperam Caronte e Minos para a travessia até ao Reino dos Mortos. A ressurreição dos mortos e os anjos tocando trombetas completam a composição.

6 comentários:

Anónimo disse...

intrigante as orelhas de burro... apuleio?


Almedino

Paralelo Longe disse...

Julgo que os asnos de ouro sejam recorrentes ao longo da História. Não deixa de ser intrigante considerar se Shakespeare se inspirou em Apuleio ou, porque não, no aspecto sinistro deste Biagio de Cesena travestido de MINOS. Mas creio que não.A julgar por Fusili, Bottom tinha um ar adorável e a peça acaba bem. Não podemos confundir essas cabeças de asno com as protuberâncias sinistras do Inferno de Dante.

CRV

Anónimo disse...

hmmmm...Pois o biagio, tinha-me esquecido! Biagio/beijo e a serpente - simbolo da vida com a cauda em Phi... - com o seu beijo de morte no pendente das joias da coroa!
Pardon for my french! lol...
Repensando, talvez as orelhas sejam tipo bufónicas, de eunuco - vide os seios proeminentes denotando falha na virilidade .
ou seja, o miguel a chamar de "palhaço da corte" ao biagio?

Almedino

Paralelo Longe disse...

No Inferno, as únicas saudações possíveis são aquelas que Dante nos conta, como julgo que deve saber, inspirado nos textos de São Tomás de Aquino. A distribuição nos círculos concêntricos infernais é efectuada de acordo com a gravidade da pena. Julgo que não haverá qualquer aproximação a beijos no Inferno(bacio em italiano e não bagio como diz). Aos pecados mais graves é reservado o diminuto 9º anel central. Dante chamou-lhe o dos traidores, considerando a traição a prática mais condenável de todas, dada a premeditação e a intencionalidade. É importante notar que supera, inclusivamente, a inveja, a vaidade e a soberba.

Como dizia HH "os mortos respiram como luzes transformadas", na sua escuridão. Julgo que será assim no Inferno de Dante.

Obrigada por passar por aqui, é um prazer trocar impressões com quem nos lê.
CRV

Anónimo disse...

hmmmm... se não é beijo (traído pela sonoridade) é o brasido da garganta- biagio/brás - da serpe ínfera... a contrapor à luz superna ( eu e o stress hermenêutico a que submeto as simbologias...ahahahahah!). A temperatura ao tempo do miguel é mais plotiniana que aquinate... mais místicamente intelígivel que racional embora com as tintas d´antes!
Almedino

Paralelo Longe disse...

Tem toda a razão. A educação de MIguel, na corte dos Médicis, fez-se sob os adventos neoplatonistas e com as cores dos paganismos greco-latinos. Ficino foi um bom mestre. Há homens que têm esta capacidade. A de criar pontes entre o misticismo, o paganismo e a fé cristã, desafiando o status clerical instalado, impregnado dos códigos retrógadas da Inquisição.
Parece-me que na arte de Miguel se encontra a filosofia da "Fonte Única", aquilo a que Da Vinci viria a chamar "Motor Primordial".
Sou de opinião que é na convergência multicultural que é possível a evolução intelectual, nunca na segmentação e na triagem de uns em detrimento de outros. A comunhão de experiências é uma Fontae Vitae apenas rejeitada pelos que temem ficar na sombra pelo confronto de ideias. Há que espicaçar as mentes adormecidas. É um prazer vê-las fluir.
Obrigada por passar por aqui.
CRV