12.4.11

Epicteto e "A Arte de Viver"

Um dos livros que seleccionei é um pequeno manual de Epicteto, que comprei o ano passado no Brasil, e que, mal comparado, terá a ver com a vaga de livros modernos de auto-ajuda, que nunca me atraíram, e que enchem as prateleiras das livrarias. Mas os ensinamentos do filósofo não só me atraíram como a sua caracteristica intemporal dota este livro de uma actualidade extraordinária. Como viver uma vida plena e feliz ou como ser uma pessoa com qualidades morais, constituíram as dissertações apaixonadas da vida de Epicteto, o grande filósofo, herói do Estoicismo. Muito embora as suas obras sejam hoje menos conhecidas, em função do declínio do ensino da cultura clássica, as suas propostas tiveram grande influência sobre as ideias dos principais pensadores da arte de saber viver, durante os dois mil anos que se seguiram.
Epicteto nasceu escravo, por volta do ano 55 d.C., em Hierápolis, Frígia, no extremo oriental do Império Romano. O seu mestre foi Epafrodito, secretário administrativo de Nero que ficou impressionado com o jovem, enviando-o para Roma, tornando-se discípulo do famoso estóico Gaio Musônio Rufo. As obras de Musônio Rufo, escritas em grego, ficaram preservadas e contêm argumentos a favor da educação igual para ambos os sexos, invocando igualdades e liberdades idênticas para ambos no casamento. Acreditam os historiadores que o famoso espírito igualitário de Epicteto possa ter sido inspirado, precisamente, nas ideias do seu mestre no período que com ele conviveu. Epicteto tornou-se o mais aclamado aluno de Rufo tendo acabado por ser libertado da sua condição de escravo. Mais tarde fundaria uma escola em Roma mas foi banido da cidade quando o Imperador Domiciano se sentiu ameaçado pela crescente influência dos filósofos na vida política da cidade. Passou a viver no exílio, em Nicópolis, na costa noroeste da Grécia. Ali, fundou uma escola filosófica e passou o resto dos seus dias fazendo palestras sobre como viver com a maior dignidade e tranquilidade mantendo-se um filósofo sereno e humilde estimulando os alunos a encararem a arte de saber viver com sabedoria. Destaco esta passagem do seu livro:

“ Mesmo que alguém o agrida verbal ou fisicamente, mesmo que seja insultado, podemos sempre escolher encarar o que está a acontecer como insulto ou não. Se alguém o irrita, a única coisa capaz de irritá-lo é a sua própria reacção. Portanto, quando aparentemente, alguém o provocar, é bom não esquecer que é apenas a sua própria avaliação do incidente que causa essa sensação. Não se deve deixar que as emoções sejam desencadeadas pelas aparências. O que haverá a fazer é simplesmente não reagir no momento, afastar-se da situação e procurar uma visão mais ampla”.

Como Epicteto reflecte, "a preocupação e o receio do que os outros pensam de nós são uma perda de tempo e não servem de exemplo para a conduta do nosso carácter". Isto é especialmente importante quando se trata da nossa influência ou reputação. Por quê viver com receio de algo, como não ser aceite publicamente ou não poder aspirar a ter as mesmas oportunidades e benefícios que outros tiveram se não somos responsáveis por sectores da vida sobre os quais não temos controle e nos quais não queremos actuar. A proposta de Epicteto é que agradar é uma armadilha perigosa pois corremos o risco de nos desviarmos para fora daquilo que é a nossa esfera de influência valendo mais ser sábio à luz dos nossos olhos do que procurar o reconhecimento e a sapiência aos olhos dos outros, evitando assim impaciências que só colocariam em causa a nossa serenidade interior. É bem melhor ser uma pessoa de carácter, que cumpre as suas obrigações, do que ter renome, poder ou projecção social, aspectos banalizados que comprometem mais tarde ou mais cedo a natureza da nossa felicidade. Ensinamentos, certamente, a reter.

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