6.2.11

Roland Barthes e a Privacidade

Ao percorrer uma série de autores, circunscrevendo-me à questão da privacidade e ao temor que o resguardo que ambicionamos para a nossa vida venha a ser violado, achei interessante a dicotomia que Roland Barthes efectua relativamente às várias perspectivas que um público atento poderá ter da intimidade alheia. Segundo Barthes, a interpretação da “privacidade” de alguém muda consoante o agrupamento intelectual que se debruça sobre o todo - ou fraccionamentos desse todo - em análise. Caso o universo seja um grupo elitista de direita, com conotações burguesas ou pequeno-burguesas, será a privacidade sexual que adquirirá um maior relevo, procurando o grupo explorar os meandros das perversões ou das alianças sexuais do visado, expondo impiedosamente essas caracteristicas, tidas como reprováveis no seio de uma comunidade conservadora. Mas Barthes vai mais longe, quando se vira para agrupamentos sociais que se identificam com o intelectualismo esquerdista. A nuance curiosa reside no facto de já não ser a exposição sexual, aquela que adquire um papel preponderante, na doxa de comentários do grupo, mas sim as práticas fúteis e os sentimentos expressos pelo visado, sendo estes o alvo preferêncial da curiosidade alheia. Neste agrupamento, dito esquerdista, é encarado com olhar reprovador a confissão de uma paixão ou de uma amizade declaradamente sincera, a  ternura , a sentimentalidade ou o prazer desinteressado da escrita. Nesta óptica social, estas variáveis são interpretadas como vestígios de uma ideologia burguesa não consistindo aqui o risco do escândalo numa prática física, incidindo a estigmatização na apresentação e na interpretação que o grupo faz de um imaginário apreendido sem consentimento alheio. Se já alguma vez foi objecto da curiosidade alheia não deixe de observar, pelo prisma do espectador atento, as reacções ao colectivo exposto. É que, segundo Barthes, sob o ponto de vista do estudo de uma comunidade, podemos sempre redimir os comentários ou a critica da vida alheia a uma tendência política, dando-nos esse enquadramento estrutural a base para percebermos a relevância ou a importância que o visado é alvo. E, obviamente, da importância que esse visado dá ao grupo que se debruça para dentro dos muros da sua própria intimidade.

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