Campânia. Segundo lendas antigas era este o local que os deuses elegiam para passar as suas férias. Olhando em redor, não me surpreende que a tranquilidade do Mediterrâneo, o clima ameno, a boa gastronomia e as escarpas abruptas, que se lançam sobre um mar azul, tenham constituído motivo, mais do que suficiente, para seduzir Poseidon e os seus pares. Homero, Vergílio, Catulo, Lucrécio e Propércio foram alguns dos eruditos que cantaram as escarpas de Amalfi e as cidades esculpidas no sopé do Vesúvio, evocando uma terra de deuses e mistérios infinitos onde pulsava o lado tranquilo das emoções e dos prazeres da vida. Pompeia, Herculano e Estábila, três cidades organizadas como pólos romanos de actividade administrativa, comercial e lúdica asfixiaram, no ano de 79, debaixo de um caos piroclástico lançado pela fornalha do vulcão. No espaço de poucas horas 10% da população pereceu, naquela manhã em que Plínio, o Jovem, observou, à distância, homens aterrorizados que levantaram as mãos aos céus desacreditando a existência dos deuses. Parada no tempo ficou uma bolsa do quotidiano romano.
Edificações públicas, lojas, residências, padarias, termas, bordéis, frescos e estátuas emergiram, em 1763, como um todo arquitectónio de rara beleza e em excelente estado de conservação convolado, anos mais tarde, em património da Humanidade. Mas seriam os frescos eróticos que, durante esta visita, por terras do Vesúvio, seriam objecto da minha curiosidade e de mais 1 milhão de visitantes anuais. Cerca de 250 pinturas e estátuas eróticas foram deslocadas, das três cidades submersas em lava, para o Museu de Nápoles tendo, por razões que se prendem com os preconceitos dos homens e o pudor da fé cristã, sido remetidas para os bastidores do Museu e trancadas a sete chaves numa ala denominada “Il Gabineto Segreto”, durante mais de 200 anos. Deuses, ninfas, falos, frescos conjugais privados e de bordéis, formam uma pequena incursão pelo Kama Sutra romano onde a sexualidade era encarada como uma forma de prazer - como Ovídeo a cantou na “Arte de Amar” - relacionando o prazer e o sexo com a abundância e a fertilidade, sem os atilhos restritores e preconceituosos do catolicismo. A iconografia predominante, na arte de Pompeia, era o falo, - associado às forças procriadoras da natureza - o que poderia indiciar uma forte supremacia masculina.
Porém, esta ideia é contrariada pelas inúmeras poses retratadas, onde à mulher é atribuído um lugar onde é perceptível que ambos os sexos se encontravam em pé de igualdade. A visita é fascinante, não só pela mostra depudorada, como pelo secretismo a que a colecção foi vetada durante largos anos, com alternância entre a abertura apenas ao sector masculino e estudiosos, poupando os olhos angelicais das mulheres e das crianças. A abertura definitiva ao público só ocorreu no ano 2000, facto que não obstou a que o Vaticano protestasse violentamente a decisão, invocando questões relacionadas com a obscenidade da mostra e o atentado à moral. Felizmente, para todos nós, os espólios sensuais do Vesúvio encontram-se agora expostos nesta “Ala Secreta” do Museu Arqueológico de Nápoles. Caso seja dado a tentações e costume espreitar lascivamente para dentro de locais secretos, esta é uma excelente oportunidade de o fazer sem constrangimentos - ou assinaturas no livro de visitas que se encontra à esquerda da porta de entrada do “Gabineto Secretto” -. É que, desde o ano 2000, a porta para a luxúria romana de Pompeia encontra-se aberta de par em par, por isso, não deverá hesitar entre a intimidação preconceituosa e a curiosidade lasciva que esta ala da História pôs à disposição de todos nós.
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