12.11.09

Tchékhov - Sobre o Amor

Tenho por hábito, antes de ir trabalhar de manhã, tomar um café numa esplanada de Lisboa e aproveitar, os últimos raios de sol, para uma leitura breve e tranquila. Hoje apeteceu-me ler Tchékhov e o conto "Sobre o Amor". Fala-nos do jovem Aliókhin e da paixão assolapada que nutriu vários anos por Anna, uma mulher doce, afável, culta, mas casada. Aliókhin frequentava a casa de Anna e convivia com a sua família. Revelando uma imensa melancolia, conta que a amou no maior silêncio, cheio de recato e respeito, frustrando sempre qualquer abordagem por falta de coragem, enredando-se em considerandos sobre a oportunidade, a viabilidade, as consequências, a honestidade, a intromissão, o pecado, o prejuízo, a felicidade, a infelicidade. Enfim, todas as questões que se suscitam quando alguém se apaixona por quem está indisponível. A determinada altura Aliókhin apercebe-se que o seu amor é correspondido mas nenhum tem coragem para dar um passo. Com o correr dos anos a relação, que era inicialmente afável, vai-se tornando irritadiça e irónica, com piadas desajustadas e desencontros infelizes motivados pelo silêncio a que ambos se remeteram. O conto termina com Aliókhin e Anna agarrados a chorar numa estação de comboios, confessando mutuamente o amor que sempre sentiram um pelo outro. Aliókhin reduz aí todos os considerandos que teceu a uma inutilidade mesquinha que só serviu para lançar nas suas vidas um manto de profunda infelicidade. Naquele momento, as reflexões sobre o pecado, a infelicidade, as virtudes ou a honra pareceram a Aliókhin conteúdos vazios reconhecendo que desperdiçou uma oportunidade única com a pessoa que amava. Anna parte e nunca mais volta a ver Aliókhin.
Situações como a de Aliókhin e Anna ocorrem todos os dias por falta de diálogo, por falta de entendimento, por receio, inércia ou falta de coragem em lutar. Mas, ocorrem no âmbito de uma realidade palpável, longe da manipulação e da ficção virtual. Chegados ao fim deste conto, percebo a frustração de Aliókhin e de Anna: caso fosse verdade, sabemos que é impossível o entendimento entre muros de silêncio. É uma regra básica. Ficam assim esboços de emoções, preâmbulo para novas ficções.

Sem comentários: