11.11.09

Qual método?

Descartes
Retiro da estante, o Discurso do Método de Descartes e as Paixões da Alma. Método e paixão sempre me pareceram dois temas absolutamente antagónicos. Descartes foi precursor no seu tempo ao procurar entender os sentimentos das paixões de forma inédita. Na apresentação do seu livro, Descartes frisou que a sua concepção teve subjacente não o orador, nem o filósofo moral, mas somente "Descartes -o físico". E, efectivamente, ao lermos "As paixões da Alma" constatamos que Descartes estabeleceu uma estreita relação entre a anatomia e a filosofia, entre o corpo humano e o espírito, entre os diversos órgãos internos e a alma. Partindo da ligação entre a alma e o corpo Descartes refere que nada está mais directamente ligado ao corpo do que a alma. O que na alma é paixão no corpo é acção. A alma é pensamento, o corpo a sua extensão. Face a esta relação questiona: será possível, não consentir os efeitos de uma paixão, espontânea, involuntária? Descartes enfatiza que a vontade não tem o poder de excitar ou suprimir directamente as paixões. Contudo, isto não significa que não possamos controlá-las indirectamente, mediante certos artifícios. Para isso socorre-se da "força" da alma referida como referência da vontade. E diz:

"As pessoas de vontade fraca deixam-se simplesmente levar pelas paixões, tão amiúde contrárias umas às outras, do que resulta o mais deplorável estado da alma. No entanto, só a vontade forte não basta; é necessária a utilização das "armas" da vontade, que são juízes firmes e determinados sobre o conhecimento do bem e do mal".

Ou seja, a alma necessita então de distinguir o bem do mal. Esta questão remete-me desde já para o tema do cepticismo metodológico de Descartes: "nunca devemos aceitar como verdadeira uma coisa sem a conhecer evidentemente como tal". Assim, a alma precisa de saber distinguir de forma segura o bem do mal. Tem de possuir créditos morais sólidos, caso contrário poderá fazer incidir a sua vontade em alvos errados, combatendo paixões boas ou cultivando paixões más. Descartes conclui que o conhecimento moral é pois de capital importância para que a alma alcance o equilíbrio interior, para a indispensável iluminação do processo de controle das paixões.

Depois de ler esta tese constato que Descartes apela à razão, à força da alma, aos princípios morais e à força de vontade de cada um, como método de controle das paixões. Controle esse que será físico, relativamente às acções que podemos ou não praticar, mas que não incidirá nunca sobre o estado da alma, pois esse não depende nem da razão, nem da vontade, nem de qualquer acção ou omissão que se possa adoptar. Posto isto, parece-me que afinal as paixões só podem estar condenadas a ser uns infindáveis buracos negros da alma, vertiginosos sorvedores de energias, vértices ingeríveis de emoções. Tudo isto acompanhado de uns quantos socos no estômago e de uma enorme falta de ar. É caso para dizer que é a maior merda possível estar apaixonado. Infelizes daqueles que estão. Estar apaixonado só fará sentido numa convergência em uníssono. Todas as outras formas acabarão em enormes frustrações da alma.

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