Alfred Dreyfus
Referindo-se a um texto de Ramon Fernándes, Borges revela-nos a argumentação que se estabeleceu entre aquele e o filósofo Julien Benda. Fernándes criticou Benda, alegando que este invocava o valor supremo da razão, associado a princípios morais afins. Essa associação gerava em Benda um conflito que tornava incompatíveis esses princípios com a realidade, com aquilo que Fernándes apelidava "o mundo humano". Posto isto, concluía Fernándes, Benda optou por virar as costas a este mundo perverso e materialista, refugiando-se na pura contemplação. Fernándes tenta ainda demonstrar na sua tese que a incompatibilidade de Benda é ilusória pois a estrutura do nosso corpo, o movimento natural da nossa vida não gera essa incompatibilidade, antes se interligam - realidade e razão. E, acrescenta, basta para tanto analisar com exactidão o nosso proceder espontâneo.
As criticas de Fernandés podem facilmente criar no leitor a convicção que Benda era um adepto das teses quietistas da contemplação e do imobilismo. Contudo, Fernándes está ferido de um preconceito grave e, uma análise mais cuidada da construção filosófica e da biografia de Benda, facilmente nos encaminham para a personalidade de um activista convicto, que colheu ensinamentos em Descartes, Espinosa e no classicismo francês. Critico do Bergsonismo, teceu, no seu livro "Une philosophie de la mobilité" - 1912, duras criticas às teorias introspectivas da contemplação e da "intuição da duração". Benda foi, inclusivamente, um "dreyfusard", assumindo um papel de relevo no Caso Dreyfus, - ao qual já nos referimos aqui - adoptando, em conjunto com um grupo de intelectuais franceses, do final do séc: XIX, uma posição incisiva que, posteriormente, se traduziria na libertação do inocente Dreyfus.
É caso para dizer, que a teoria de Fernándes, só pode ser fruto de uma análise espavoridamente prematura. As teses de Benda, analisadas com rigor, sustentam, em todo o seu conjunto, precisamente a postura contraria das correntes quietistas e individualistas, inclinando-se para as teses unanimistas. Julgo, que a sugestão criada em Fernándes, poderá ter tido a sua origem num desinteresse que Benda terá demonstrado em relação ao assunto, num refrear da publicitação prematura das suas teses ou, numa necessidade anterior de contida contemplação que, certamente, antecederá qualquer construção. Nunca o saberemos.
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