21.3.15

A Doxa Esotérica de uma mulher num mundo misógino de homens poderosos

Plotino
Plotino defendia um estilo de vida asceta, entregando-se às práticas espirituais, levando uma vida contemplativa com mortificação dos sentidos, preconizando uma moral sã e uma vida irrepreensível, com dieta vegetariana, redução das horas de sono e celibato. Os seus ensinamentos estruturavam-se para dois níveis de ouvintes: a doxa esotérica, confiada a uma elite de iniciados, e o discurso exotérico dirigido ao público em geral. No que toca às mulheres, repudiou a filosofia de Aristóteles, usando como modelos os ideais de Pitágoras. Plotino acolheu na sua academia uma diversidade de interessados não procedendo a qualquer distinção entre homens e mulheres, atribuindo a todos o mesmo grau de interesse, capacidade, oportunidade e igualdade. Talvez a inexistência desta distinção se deva à mitologia grega que, por oposição ao cristianismo, não considerava a mulher nascida de uma costela do homem, nem a considerava culpada das tentações do demónio ou a provocadora de uma inoportuna dentada. Na mitologia grega, homens e mulheres surgem das pedras da Terra. Eles das pedras de Deucalião. Elas das pedras de Pirra. E mesmo na disputa dos Deuses, para padroeiro de Atenas, conta a lenda que Nepturno perdeu por um voto para Minerva. Irritado, o deus vingador elevou os mares e lançou vagas gigantescas contra a cidade de Atenas. Para evitar a destruição, e apaziguar o deus descontrolado, as mulheres sábias aceitaram três castigos que acabariam por ceifar parte da sua cidadania: perderiam o direito a voto, nenhum filho poderia ter o nome da mãe e ninguém as chamaria de atenienses. A liberdade, inicialmente celebrada, transformou-se numa submissão quer ao homem quer à sociedade em geral.
Nepturno
Acossados no seu orgulho, por vezes os deuses, confrontados com uma verdade inconveniente, refugiam-se, mais do que o simples mortal, em poses misóginas. Revoltar os mares, virar costas ao diálogo, bater estrondosamente com a porta ou desprezar os atrevimentos das adversárias, são a forma de esconder o medo e o temor que se refugiam por detrás de um olhar cheio de ondas. 
Nas sociedades misógenas, as mulheres que se atrevem são demonizadas pelo grupo do patriarcado burlesco que continua a coloca-las numa condição subordinada, alvo de piadas vexatórias ou eróticas, com desdém pelo corpo e pelo sexo, pelas opções e filosofias de vida próprias, pelos gostos, pelo conflito entre o amor e  a ternura das mulheres. Nas sociedades misóginas, o clã masculino adoptou, na sua concepção ideal, o transtorno psíquico de Aristóteles, hoje com explicações freudianas, quando afirmava  que "as mulheres eram deformidades naturais…" 
Para se assumir, Nepturno não consegue deixar de reivindicar os poderes que possui e sobre os quais havia mantido segredo. Essa, é uma das formas de tornar o seu orgulho ferido menos visível, mais acutilante, ceifando os atrevimentos adversos, circunscrevendo as mulheres de Atenas a uma nova condição, talvez porque estas compreenderam que, na fragilidade e no temor do seu olhar, Nepturno, afinal, tinha um poder incomensurável sobre o mar que, desde sempre, lhe enchia as duas mãos. CRV©2015

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