2.6.14

Orwell: quando os animais já não distinguem os porcos dos homens

Ao princípio da noite vieram dizer-lhe que fosse buscar a filha e a sobrinha, ao cimo do monte, pois encontravam-se lá enforcadas numa árvore. A notícia, aberrante, dirigida a um pai integrado numa casta indigente, repugna não tanto pelo crime da violação, em si mesmo vil e asqueroso, mas porque em surdina se percebe a conformação masoquista pela condição pobre e desprotegida de gente que não merece o transtorno da procura e aplicação da justiça sobre os prevaricadores criminosos. E isso, leva-nos aquela concepção confusa do poder orwelliano quando a determinada altura os animais já não conseguem distinguir os porcos dos homens. 

Freud explicaria esta prepotência com a figura do direito romano "Jus utendi et abutendi", ou seja, usar e abusar do outro, com o direito de consumir e de destruir o que me pertence. Só que "o que me pertence" não é encarado numa perspectiva individualista de auto-gestão dos sentimentos ou dos gozos e bens pessoais. O gozo aqui, reintroduz a dimensão "do outro". Da pessoa considerada inferior, desprotegida e em desigualdade numérica que proporciona ao grupo de violadores o teatro sádico que visa aniquilar todos os enigmas da vítima, subjugando-a e torturando-a, visando com o seu sofrimento elevar a histeria colectiva dos perpetradores ao êxtase. Freud explicaria a questão primordial destes crimes de violência sexual e psicológica com a adopção de uma postura possessiva de gozo e destruição. O sádico, com um misterioso funcionamento psíquico, que retira do sofrimento alheio a prepotência e o domínio do masoquista em deter o poder de infligir o sofrimento, cessando-o quando bem entender, transforma o gozo de destruição da vítima em ruptura ou arrombamento do corpo, quer ao nível da composição psíquica do crime quer sob o ponto de vista da representação da angustia que lhe promove e que lhe devolve uma larga satisfação. 

Freud acabaria por rotular estes comportamentos no "Manuscrito M", em 1897, categorizando os autores destas práticas como tendo em comum um recalcamento do feminino. A dor e a angústia infligidas "ao outro" não são mais do que "a repetição de uma primeira experiência de prazer negativa que potenciou um prazer mortífero no qual se perde a noção dos limites corporais" satisfazendo-se com a postura de organizador de um culto de horror. No caso das jovens indianas, o gozo sádico até à sua morte teve, certamente, subjacente a perversão da dor, como última forma patológica de excitação, num conjunto de homens com manifesta ausência das correctas representações sexuais e sociais de compaixão e afecto.

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