27.12.11

Natal no Ultramar

A história dos meus natais tem sido generosa, com todas aqueles adjectivos que a tornam numa celebração tranquila e em família. Apesar de dispensar qualquer tipo de presentes, a minha filha, sabendo o gosto que tenho nos meus blogues, ofereceu-me um livro de Saramago, que não é mais do que a compilação das crónicas do seu blog. Não tardei a lê-las e foi quando me deparei com uma, “Homem Novo”, que me recordei de um Natal, quando era pequena. Por esses dias, sem computadores ou telemóveis, o volume de correspondência que recebíamos em casa era significativo. Aguardava sempre o carteiro com entusiasmo. Gostava de ajudar a abrir as cartas para depois as espalhar pelas prateleiras do escritório, tendo sempre carta branca na decoração. Mas houve um Natal diferente. Recordo-me que chegou às minhas mãos uma carta estranha. Era branca, pequena, mais pequena que todas as outras, contornada a preto. O meu pai abriu-a e ficou imobilizado a olhar fixamente para a caligrafia preta, barroca, diferente da escrita escorreita dos postais coloridos que anunciavam os votos de festas felizes. Questionei o que se passava e disseram-me, com pesar, que anunciava a morte do filho de uns amigos. Corria por esses dias a guerra colonial e, com o passar dos meses, o volume de baixas tornava comum haver sempre alguém que conhecia uma família que tinha perdido um dos seus jovens no ultramar. Naquele tempo, lembro-me que estávamos preparados para a guerra. Enfrentavam-se as adversidades do destino com um conformismo que hoje espantaria qualquer incauto. As famílias torneavam-se sobre si mesmas na esperança de paz. Procurava-se o silêncio debaixo de um céu infinito. Aguardava-se em suspenso o regresso dos que para lá estavam a defender uma causa que pouco importava se era justa ou não. O que a guerra sempre promete é que é apenas uma passagem no tempo para a paz. Como Saramago escreve: ”ninguém ousaria confessar que faz a guerra pela guerra, jura-se, sim, que se faz a guerra pela paz". Talvez seja esse o argumento que permita, em todo o mundo, que continue a ser possível, em nome da guerra, destruir homens nas suas casas, sempre em nome de uma "melhor" paz.

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