25.9.11

Poesia

“The purpose of poetry is to remind us how difficult it is to remain just one person, for our house is open, there are no keys in the doors, and invisible guests come in and out at will.”
— Czeslaw Milosz

Achei curiosa a frase. Para quem se atreve a escrever poesia e a sente como uma extensão do seu corpo, dificilmente consegue dissociar os seus estados de espírito da realização dos seus ensaios. Escrever, deixa-nos a porta aberta por onde convidados invisíveis se passeiam, correndo sempre o risco de entidades diversas efectuarem leituras supervenientes para além daquelas que se circunscrevem ao poema. Encontrei num livro de João Barrento “O Género Intranquilo” uma explicação inteligente para esta dissociação que qualquer ensaísta ou poeta preconiza na poesia que produz. 
“Nenhum ensaio, no seu coro de escrita, sustenta uma totalidade – pelo simples facto de ser feito de linguagem, ainda que fixada pela escrita. A totalidade será sempre, no plano do humano, um objecto de nostalgia, e a sua natureza da ordem do incorpóreo”. 
A poesia tem asas, que sobrevoam tanto os campos verdejantes, onde a aurora desponta, como os abismos rasgados pelo crepúsculo da tarde. Porém, é precisamente nessa diferença entre o dizer vivo, ou o dramatismo nostálgico, que se encontra a noção de “dizer” e de “totalidade”. No “todo” encontramos a coerência do ensaísta. No “dizer”, ensaiam-se pensamentos, pedras em construção, intuições parciais, explosões que remetem para esse “todo” em equilibrio. Como dizia Lukács “se comparássemos as diferentes formas de literatura por meio da luz solar refractada num prisma, os escritos dos ensaístas seriam os raios ultravioletas”. São essas formas refractadas de luz que se procuram. Essas formas, por vezes incompreensíveis para os demais, mas que genuinamente para o seu autor fazem todo o sentido. Foi a essa dupla articulação, a essa dupla dimensão do pensamento, que sustenta formas de conhecimento intuitivo que se produzem as ressonâncias a que Roland Barthes chamou “déliaison”. Aos ensaístas, não deverá sobrevoar o receio de escancarar as portas da alma, pois nunca haverá pretensões de demonstrar ou dar a conhecer sistematicamente o “todo”, antes sim, haverá sempre a tentação de lhe montar um cerco para o levar a revelar-se, parcialmente, numa lenta epifania profana que escancare algumas facetas subterrâneas.

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