3.8.11

Uma entre Mil no Prado

Olhei para o jornal como se fosse imediata a percepção do catalão. Foi em Barcelona que tomei conhecimento da morte de Amy Whinehouse e do massacre na Noruega. Naquela manhã, as páginas dos jornais davam rasto à tristeza do mundo expondo a armadilha que colapsou na encruzilhada de algumas vidas desfeitas. Deitava olhares furtivos ao jornal da minha companheira de viagem de Metro. No meio do caos noticioso reparei numa pequena pintura, modestamente localizada, no canto superior da primeira página do “La Vanguardia”. Reconhecia de imediato. Era Sofonisba Anguissola, pintora italiana (1532-1625) cuja vida se destacou num mundo onde o papel da mulher estava relegado para a nobreza de outras tarefas mais domésticas. Corri a comprar o jornal. Em castelhano. E deliciei-me a ler as duas páginas intituladas “Uma Artista Extraviada na história”. À excepção de Catharina van Hemessen, não há registos anteriores de qualquer mulher, no mundo da pintura, que se tenha destacado. Sofonisba teve uma vida longa e fascinante. O seu pai, Amilcare Anguissola, aristocrata de nascimento, encorajou todas as suas 5 filhas a desenvolverem os seus talentos artísticos, tendo 4 delas (Helena, Lúcia, Europa e Ana Maria) se tornado pintoras. Seria, contudo, Sofonisba aquela que viria a ser recomendada para a corte de Filipe II de Espanha, tendo aí permanecido por 19 anos, como pintora e dama de companhia da rainha, filha de Médicis, Isabel de Valois. Essa é uma das razões que explicam a sua forte presença no Museu do Prado, onde se conservam algumas das suas melhores obras. Não deixa de ser curioso relembrar que, do acervo total de 8.000 quadros que fazem parte do património do Museu, só cerca de 1.100 se encontram expostos ao público, numa opção que tem subjacente critérios de qualidade estética e importância histórica, sendo que desses 1.100, só 3 são pintados por uma mulher. Sofonisba Anguissola é a única mulher, cuja obra se encontra, actualmente, exposta no Museu do Prado. Os seus quadros (Isabel de Valois, Filipe II e Ana de Austria) têm honras de destaque num universo esmagadoramente masculino, apesar do museu contar nas suas arrecadações com um espólio de 45 quadros pintados, por uma vintena de pintoras, que só podem ser observados por aqueles que têm o passaporte de acesso às áreas reservadas ao público. Depois da sua morte, Sofonisba foi devotada ao esquecimento, tendo sido efectuadas inúmeras associações, para a autoria dos seus quadros, atruindo-se erradamente a Zurbarán, Tiziano, Bronzino, Moroni, El Greco ou Van Dyck. Hoje, os seus mais de 50 quadros, encontram-se justamente identificados podendo ser vistos em galerias espalhadas em Bergamo, Budapeste, Madrid, Nápoles ou Siena. Aclamada por contemporâneos como Vasari, Miguel Angelo e Van Dyck, - este último retratando-a nos seus últimos anos de vida, aquando de uma visita à Sicilia, cujo testemunho pode ser lido aqui – Sofonisba, nos seus longos 93 anos, circunscreveu a sua obra ao retrato de figuras de destaque social, uma vez que, na sua época, estava vedado a uma mulher o estudo anatómico e das formas do corpo, afastando a pintora do universo das composições mitológicas e religiosas, onde a correcta representação da anatomia do corpo era indissociável do êxito e do renome do artista. No catálogo de uma exposição levada a cabo no Museu Thyssen, em Madrid, sob o tema "Heroínas da Pintura" podia ler-se sobre Sofonisba " Impressiona o seu olhar directo e sem pudor a quem a observa. Afirma-se neste universo, como sujeito e como igual".Sofonisba Anguissola : Self portrait  - 1556 - e Filipe II  - 1570

1 comentário:

Paralelo Longe disse...

Obrigada Vinicius. Obrigada por passar por aqui.