10.11.09

Decisões em consciência

Com o sol de Outono a bater na janela da sala, passei o Domingo aninhada no sofá rodeada de algumas histórias. Uma delas, um conto de Nabokov - "Mademoiselle O" - fala das recordações nostálgicas que o autor teme perder relacionadas com a preceptora de francês que teve na sua infância. Mulher grande e forte, Nabokov descreve-a como uma mulher austera, com um brilho batráquio na pele, cheia de maneirismos, ofegante, com um fluxo poderoso de voz. O quarto de Mademoiselle fazia as delicias de Nabokov. Recorda-o como um lugar fantástico, uma estufa, abrigo de uma planta de folhas grossas. É curiosa a nostalgia que este conto me provocou. Muito embora não tenha tido preceptora, a descrição de mademoiselle catapultou-me para a figura da minha avó. Professora austera, da velha guarda, que nos contava histórias, que adoravamos, naqueles Sábados à noite em que os meus pais tinham os seus programas e nós ficavamos entregues à sua sapiência. Tal como Nabokov se lembrava de um vitral numa janela, que o fazia ver o mundo através de uns óculos mágicos, também eu me lembro de uma lanterna de vidros martelados que havia lá em casa e que nos fazia imaginar o mundo com outras cores. Nobokov diz que quando via o jardim, através dos bocadinhos de vidro azul, as àrvores adquiriam uma atmosfera tropical. O amarelo criava um mundo ambarino que fermentava num tom particulamente forte. O encarnado fazia a folhagem das árvores transformar-se em tons de rubi escuro. O verde tornava tudo mais verde. E, se depois de todo este mundo colorido os olhos se voltassem para um bocadinho de vidro normal, a sua imaginação regredia ao branco pálido já conhecido, que tornava o mundo tão vulgar, retirando-lhe toda aquela atmosfera que o fazia sonhar com um mundo diferente. De facto, o mundo pode assumir coloridos vários, basta olhá-lo através de filtros diferentes. E, certamente, cada um terá os seus próprios filtros. Contudo, o observador é sempre o mesmo e é apenas ele que tem de julgar qual o colorido pelo qual lhe apetece filtrar o que vê. A panóplia de cores à escolha sempre foi grande e os prismas vários. Imperturbavel, julgo que cada um tomará, certamente neste campo, decisões em consciência.

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