28.9.09

Abstenção - O sacrifício de todos nós

O Sacrifício de Isaac - Caravaggio - 1605
Quando vinha para casa, e pensava nos resultados eleitorais de ontem, lembrei-me deste quadro de Caravaggio. Abraão, em obediência e provando a sua fé em Deus, cumpre o desígnio e presta-se a sacrificar o seu único filho, Isaac. Neste quadro, tudo levaria a crer que Isaac não se conformaria com o seu destino. Contudo, a história dos Génesis conta-nos, precisamente, o contrário. Isaac, era um filho obediente, tendo-se resignado com o seu próprio sacrifício, não evidenciando qualquer constrangimento na sua morte. É, a chamada resignação pela fé. E, é essa resignação extrema, que este país apresenta, que me constrange. Ontem, 40% da população portuguesa resignou-se ao não votar. Complacentemente, deixamos uns quantos decidirem o destino de todos. A abstenção, ao contrário de constituir um alheamento da política ou da vontade de exercer o direito de voto unipessoal, constitui um protesto pela omissão de programas ou formas de política aliciantes com os quais 3,5 milhões de cidadãos portugueses se identifiquem. Em crescendo, desde 1987, (1987 - 22% ; 1991 - 32%; 1995 - 33%; 1999 e 2002 38%; 2005 - 35%; 2009 - 39,4%) o aumento da abstenção é proporcional ao desaparecimento de líderes carismáticos e de programas credíveis de mudança. O desencanto na política portuguesa também me toca frequentemente mas, adoptei o método da auto-flagelação, aplicando uns quantos socos racionais cada vez que me proponho desistir da indispensável reflexão. Quando penso nos resultados de ontem, lembro-me da Alegoria da Caverna de Platão e das sombras que aqueles homens aprisionados visualizavam, convencidos da sua alheada realidade. Assim, são os abstencionistas. Vivem, a sua realidade, convencidos de que o seu pequeno guetto e os seus pequenos problemas não criam osmoses com o mundo real. É um engano, que nos arrasta a todos para a inconsistência de programas e para o abismo dos governos de coligação. E, nos anos mais próximos, não antevejo que vá aparecer um anjo que venha interromper o sacrifício de todos nós.

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