Genericamente o termo “karma” é referido quando alguma contrariedade ocorre na nossa vida, com carácter reincidente, e para a qual não conseguimos encontrar uma justificação plausível para essa infeliz convergência. Mas na realidade o “karma” é outra coisa.
Com interpretações várias, de acordo com a filosofia ou a religião que tem subjacente, o termo tem em comum a ideia de aperfeiçoamento individual, progressão interior, superação de desafios, sendo a reencarnação sucessiva o caminho para a ascensão da alma a um estadío de pureza e de luz.
No séc: I na Índia, homens e mulheres, praticantes das ortodoxias védicas, acreditavam que a vida se encontrava presa num ciclo kármico infindável fundado na morte e no renascimento. Os seus desejos compeliam-nos a agir em vida de modo a satisfazer esse princípio, sendo os seus actos determinados por um número rígido de obrigações védicas que acautelavam um renascimento kármico favorável na próxima reencarnação.
"Um mau karma significaria que podiam renascer como escravos, animais ou plantas. Um bom karma assegurava o renascimento como reis ou deuses”.
Porém, a aceitação dos dogmas kármicos, nem sempre foram pacíficos. Alguns crentes revelavam que sentiam o seu objectivo de vida frustrado numa espiral infinita cuja apoteose kármica não era feliz. E isso porque os próprios deuses esgotavam o seu karma benéfico, morrendo e renascendo numa condição menos exaltada, ressurgindo ab inicio para principiar nova espiral contínua. O sentimento de frustração acentuou-se. Deprimidos, pela transitoriedade e a inquietação que os prendia ao “samsara” - uma sucessão infinita de obrigações relacionadas com o ciclo da morte e do renascimento -, alguns crentes partiram dos seus lugares comuns, evadindo-se dessa espiral infinita obrigacional, passando a viver em reclusão social, encontrando no eremitismo a resposta mais adequada à sua existência. Os dogmas e rituais impostos foram rejeitados, procurando no isolamento e na reflexão as respostas para uma crescente insatisfação pulsional e religiosa.
"Um mau karma significaria que podiam renascer como escravos, animais ou plantas. Um bom karma assegurava o renascimento como reis ou deuses”.
Porém, a aceitação dos dogmas kármicos, nem sempre foram pacíficos. Alguns crentes revelavam que sentiam o seu objectivo de vida frustrado numa espiral infinita cuja apoteose kármica não era feliz. E isso porque os próprios deuses esgotavam o seu karma benéfico, morrendo e renascendo numa condição menos exaltada, ressurgindo ab inicio para principiar nova espiral contínua. O sentimento de frustração acentuou-se. Deprimidos, pela transitoriedade e a inquietação que os prendia ao “samsara” - uma sucessão infinita de obrigações relacionadas com o ciclo da morte e do renascimento -, alguns crentes partiram dos seus lugares comuns, evadindo-se dessa espiral infinita obrigacional, passando a viver em reclusão social, encontrando no eremitismo a resposta mais adequada à sua existência. Os dogmas e rituais impostos foram rejeitados, procurando no isolamento e na reflexão as respostas para uma crescente insatisfação pulsional e religiosa.
Ciclo infinito |
Aos eremitas chamaram-lhes renunciantes. Não porque entendessem o seu abandono como um falhanço social, antes pelo contrário. Os insatisfeitos, aqueles que se atreviam a procurar respostas por si, eram encarados como intrépidos pioneiros, corajosos sociais que não temiam o desconhecido, desafiando o destino que lhes estava reservado. Foi entre os renunciantes que as massas procuraram um jina. Um conquistador espiritual, ou um buddha iluminado que lhes desse resposta às necessidades da alma, solucionando a questão da espiral karmica que já não respondia satisfatoriamente às necessidades espirituais constituindo, antes sim, um enorme encargo que pendia desconfortavelmente sobre os ombros de cada um.
Os renunciantes tornaram-se modelos sociais arrojados. A fuga aos limites védicos, a emancipação e a procura individual das respostas sagradas, revestia-os de credibilidade. De renunciantes sociais isolados, os proféticos emancipados passaram a agregar-se em pequenas comunidades. Viviam como eremitas em florestas, observavam rituais personalizados e eram seguidos por grupos de discípulos que se sentiam atraídos pela nova pedagogia religiosa que solucionava algumas questões transcendentais. A elevação a jina promoveu o surgimento dos mestres que advogavam princípios que prometiam a revelação dos segredos controversos do karma. Profetizavam um dharma próprio evidenciando que a sua filosofia era aquela que conduziria à esperada libertação da alma.
Os renunciantes tornaram-se modelos sociais arrojados. A fuga aos limites védicos, a emancipação e a procura individual das respostas sagradas, revestia-os de credibilidade. De renunciantes sociais isolados, os proféticos emancipados passaram a agregar-se em pequenas comunidades. Viviam como eremitas em florestas, observavam rituais personalizados e eram seguidos por grupos de discípulos que se sentiam atraídos pela nova pedagogia religiosa que solucionava algumas questões transcendentais. A elevação a jina promoveu o surgimento dos mestres que advogavam princípios que prometiam a revelação dos segredos controversos do karma. Profetizavam um dharma próprio evidenciando que a sua filosofia era aquela que conduziria à esperada libertação da alma.
Era comum os jinas serem visto a pregar na estrada, seguidos por multidões de renunciantes, reconhecidos pelas suas túnicas ocres, percorrendo as rotas comerciais, a par de caravanas e mercadores, sendo a sua chegada às povoações uma revelação desejada. Reuniam-se nas praças do mercado, criando palanques de feira para ditarem ao povo o seu dharma e assim os converterem. Surgiram rivalidades. Diferentes jinas profetizavam diferentes dharmas, reivindicando cada um o seu lugar próprio de destaque junto das comunidades. Nas aldeias, os chefes de família escutavam com admiração estes oradores, seguidos de um séquito de renunciadores a quem o povo apelidava de “sábios silenciosos”.
Alguns instalaram-se nas aldeias. Surgiram as primeiras escolas. Umas com ensinamentos radicais de despojamento total dos bens materiais, vivendo de asceticismo e meditação, pernoitando ao relento e sobrevivendo da colecta de bosta de vaca, frutos, raízes e plantas silvestres. Outras, menos radicais, subsistiam da caridade da população, preconizando a amizade e a paz de espírito, evitando a hostilidade e os desentendimentos estéreis.
Alguns instalaram-se nas aldeias. Surgiram as primeiras escolas. Umas com ensinamentos radicais de despojamento total dos bens materiais, vivendo de asceticismo e meditação, pernoitando ao relento e sobrevivendo da colecta de bosta de vaca, frutos, raízes e plantas silvestres. Outras, menos radicais, subsistiam da caridade da população, preconizando a amizade e a paz de espírito, evitando a hostilidade e os desentendimentos estéreis.
De entre todos os pregadores da época, houve um que se destacou. Escutado por reis, bramanes e senhores hindus, movimentou multidões. Apóstolo da não violência, Mahavira preconizou aos humanos uma única obrigação: “nenhuma criatura que respire, exista, viva e sinta seja morta ou tratada com violência, sujeita a abusos, torturada ou expulsa. Esta é a lei pura, imutável e eterna, que os iluminados, os que sabem, proclamam”. Esta perspectiva de vida era atingida graças a uma exegese asceta que tornava os seus seguidores conhecedores de uma realidade preocupada em ter uma atitude de benevolência perante todos os seres vivos. Todo e qualquer ser, humano, animal, planta ou seixo era tratado com amizade, boa vontade, paciência e gentileza sendo imperativa a regra da proporcionalidade. “Todos deviam ser tratados como gostariam de ser tratados. O dukkha que impregnara o mundo inteiro era causado pelos actos das pessoas ignorantes que não percebiam que ao tratarem mal o seu semelhante estavam a negar o seu próprio eu”. Num sermão, após a iluminação de Mahavira, feito no santuário do espírito nos arrabaldes da cidade, perante os reis de Champa e uma multidão de seguidores, Mahavira prega a dissociação dos antigos rituais védicos, onde animais eram sacrificados, preconizando uma comunidade afectuosa, com uma visão de unidade e empatia universal, presente em todos os actos praticados.
O novo ideal já não consistia na mera abstenção da violência, mas num exercício efectivo de ternura e simpatia ilimitados. O caminho de uma nova espiritualidade traça o inicio de uma nova era axial motivada pelo imperativo categórico de novas respostas perante as dúvidas do espírito. O novo karma é agora traçado por dentro, sem espirais infinitas e com voluntariado activo, perante todos aqueles que coincidem, de alguma forma, no nosso trajecto da vida. A doutrina, absolutamente intemporal, deveria ter praticantes comuns de todos os credos e religiões. Seria certamente uma forma de transformar a convivência cínica dos nossos dias, numa mais valia recíproca alcançada com a saída do beco da intolerância, da morte e da guerra. CRV©2018
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