20.1.18

No Prado - Mariano Fortuny, um artista da cor

Berbere - Marrocos
Com a djellaba descomposta, os pés descalços e a cara encoberta com um keffiyeh branco, o modelo berbere chama a atenção pelo olhar dócil e introspectivo, distante e, no entanto, tão perto, com pose descontraída e olhar tranquilo para o artista, curioso em captar a alma do mouro.
O desafio proposto pelo Museu do Prado consistia em descobrir o percurso artístico e as influências berberes de Mariano Fortuny (1838-1874), o pintor espanhol com maior projecção internacional no século 19. Das 169 obras expostas, 67 nunca tinham sido integradas em exposições, umas porque nunca tinham saído da sombra das colecções particulares, outras porque os museus de proveniência nunca tinham acordado em ceder as obras, o que torna esta exposição a primeira a agrupar uma mostra representativa da vida do artista.
Mariano Fortuny 1838-1874

Fortuny nasceu em Reus, numa pequena cidade 100 km a sul de Barcelona. De ascendência modesta, ficou órfão de pai e mãe muito cedo, tendo sido criado por um avô, carpinteiro de profissão, que nas horas vagas se dedicava à construção de figuras de cera.
Ainda jovem os seus desenhos a carvão despertaram a atenção de um benfeitor catalão que lhe atribuiu uma pensão mensal para adquirir pincéis e aguarelas, alargando assim o potencial do artista que mais tarde viria a receber outros donativos que lhe permitiram ingressar na Escola Superior de Belas Artes de Barcelona.
Com apenas 19 anos, vence um concurso, promovido pela Câmara de Barcelona, cujo prémio consistia num estágio em Roma junto de outros artistas catalães, comunidade artística espanhola que, no passado, já havia acolhido pintores como Velásquez, Goya e Ribera. O estágio tinha como contrapartida o compromisso de fazer chegar à autarquia as obras que ía produzindo, razão pela qual o Museu Nacional de Arte da Catalunha agrupa hoje o maior número de quadros do artista.
Roma foi o tempo dos estudos clássicos. Acompanhado de pintores como Rosales e Puebla, Fortuny entre 1857-59 explora a técnica e procura uma identidade própria no movimento romântico europeu, enaltecendo o sentimento sobre a razão e a imaginação sobre os entediantes estereótipos racionais clássicos com os quais não se identifica manifestando, por diversas vezes, a vontade de pintar sem compromissos mas as suas limitadas condições económicas obrigavam-no a ficar refém das encomendas dos primeiros clientes e das obrigações que tinha para com os responsáveis da Câmara de Barcelona que lhe subsidiavam a estadia.
Mas foram precisamente esses mesmos patrocinadores que ao solicitarem o seu regresso a Barcelona, em 1859, iriam mudar radicalmente o trajecto artístico de Fortuny. Na sequência do ataque de tribos marroquinas ao forte espanhol de Anyera, em Ceuta, Fortuny foi chamado a acompanhar o exército espanhol tornando-se o cronista gráfico da guerra espano-marroquina. Essa estadia iria influenciar toda a  obra do artista com a introdução de elementos decorativos típicos do artesanato marroquino, os latões, os mosaicos coloridos, as paredes cor de terra quente, a simplicidade e a modéstia das poses informais do povo, a luminosidade vibrante das cores e do sol africano, os grandes espaços, os detalhes das tapeçarias, a vida simples das tribos do deserto. O quadro "O fazedor de tapetes" é sem dúvida o meu preferido tendo sido largamente conseguida a identificação dessa atmosfera tranquila com um detalhe absolutamente exuberante.
O fazedor de tapetes - 1870
Fortuny preferiu a beleza tranquila dos espaços coloridos às crónicas de guerra. Talvez por isso mesmo estivesse patente na exposição um número significativo de desenhos a carvão e aguarelas  evocativos desse lado melhor da vida, em detrimento das emoções fortes do conflito. A batalha de Wad-Ras, a vitória das tropas da rainha Isabel sobre o sultão Mohamed IV, os campos de guerra, os feridos, o caos, a morte e todos os constrangimento que os conflitos bélicos envolvem, foram substituídos pela plasticidade técnica das emoções vitoriosas do espírito. 

De regresso a Barcelona foi-lhe encomendada pelos seus patrocinadores a tomada do acampamento de Muley el-Abbás y Muley el-Hamed pelo exército espanhol tendo, curiosamente, Fortuny pintado o assalto sob o ponto de vista do derrotado exército marroquino.
O estúdio de Fortuny
Das viagens que realizou, colectou um número significativo de peças marroquinas, armaduras medievais, jarrões, tapetes, telas coloridas, vitrines, porcelanas, bandejas de metal, objectos decorativos que celebrizaram o seu estúdio, tornando-o local de culto entre o seu grupo de amigos.

Fortuny morre com 36 anos, vitima de derrame cerebral integrando o grupo de génios que nos deixou prematuramente. Caravaggio, Vermeer, Modigliani, Van Gogh, Schielle, Souza-Cardoso, Frida Kahlo, Basquiat e tantos outros que tinham um futuro brilhante desapareceram inconformadamente no auge das suas carreiras.
A riqueza do mundo da arte constitui-se pelas diferentes capacidades cognitivas de cada artista, da sua percepção do mundo, das suas tendências, expressões emocionais, temperamentos e, fundamentalmente, desse submundo secreto e próprio que todos temos e que constitui a nossa própria individualidade.
Fortuny deixou-nos uma obra de efeitos brilhantes, desvelos minuciosos com os objectos e uma embriagante profusão de jogos de luzes, tons e sombras, ambientes sedutores carregados de uma tranquilidade natural. Sensível, pintava com o coração, querendo surpreender-nos. Sem dúvida que conseguiu.
Os filhos do artista no pavilhão japonês

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